Política

As lições de Ressabiado Silva

O nome próprio “Ressabiado” não existe, é ficcionado. Tal nome próprio nunca terá sido posto a ninguém, a não ser como alcunha. Já viram como soaria se nos dirigíssemos a alguém com tal nome? «Bom dia, senhor Ressabiado!» ou «Como está senhor Ressabiado? Tem passado bem? Há muito tempo que não o via!».

Ressabiado não é um nome próprio para designar determinada pessoa, isto é, aquela e não outra. É um adjetivo cujo significado é o de alguém que está melindrado, agastado sendo também sinónimo de zangado, por isso mantenho a designação para a personagem. O nome Silva é um apelido, e há muitos!

A estória começa quando, certo dia, Ressabiado Silva, corroendo-se interiormente e clamando por vingança - para explicação deste último sentimento seria a necessário um psicanalista - com o coração pleno de raiva e ódio que tinha contra tudo e contra todos os que com ele não concordam, nem concordaram resolveu destilar publicamente tudo o que sentia contra o seu alvo predileto que, no passado, o confrontou e quase lhe impôs aceitar condições que o contrariavam.

Por vezes vêm-lhe à memória os bons tempos da leitura do conto de Lewis Carroll “Alice no País das Maravilhas”. Recorda-se, sobretudo, da personagem do Coelho (no conto é a Lebre de Março) que, para ele, é uma personagem que possuía a verdadeira sabedoria da governação, mesmo diante dos maiores obstáculos.

Podemos imaginar Alice como sendo o povo que acaba por fazer parte do "chá de desaniversário" sem entender nada que está a acontecer. O Coelho era o fiel companheiro da hora do chá que insiste em provocar e incomodar a convidada. O Ressabiado é uma espécie de personagem como o Chapeleiro Louco que se juntam ao Coelho (Lebre de Março) e convidam Alice, o povo, para beber chá, mas sem açúcar. O Coelho é um personagem de sonho que ainda alguns continuam a procurar que regresse ao país das maravilhas.

Ressabiado Silva não convivendo bem com a imagem que ficou dele enquanto desempenhou cargos políticos, sobretudo no meio dos seus, esforça-se por colorir essa imagem. Mas a História não se reescreve e o que fez mal por erro ou omissão, obscurece a sua postura de infalível e continua a pensar que "ainda está para nascer quem seja mais honesto que ele", mas a sua atitude de ressentimento, ficarão assim inalteráveis por muitos livros que escreva e muitos discursos que faça.

Mesmo assim, Ressabiado Silva insistiu em escrever e publicar um livro, mais um, este último sobre a arte de como fazer política e nela conviver. Ressabiado, revê-se num hábil ético-moralista da política, isto é, avalia severamente os outros de acordo com os seus próprios padrões morais, desdenhando outros que sejam discordantes ou que não sigam os seus princípios político-partidários. Egocentrista convenceu-se e interiorizou o que disse no passado quando salientava que para serem mais honestos do que eles tinham de nascer duas vezes.

Para o esquadrão dos seus seguidores não é um livro qualquer. Para eles estão lá contidos altos pensamentos filosóficos no âmbito da ética política. Talvez seja uma “Bíblia”, talvez seja até um catecismo, poderá até ser um manual de instruções de como fazer e não fazer política.

Há um livro muito conhecido cujo título é “A Arte da Guerra”, obra literária do pensador chinês Sun Tzu, escrito por volta do ano 500 a.C. A obra apresenta-se como um manual estratégico para conflitos armados, mas que pode ser extrapolado para várias aplicações noutras áreas da vida e do confronto político. Terá, por acaso, Ressabiado Silva perguntado a si mesmo: Se aquele tal Tzu escreveu sobre a guerra porque não escrevo eu sobre a política? Mas o livro que escreveu é ainda mais completo, é um livro que ficará na memória do “mundo português”, uma espécie de Bíblia, com um Velho e Novo Testamento aplicados à política, mas tendo como alvo o ataque a vários dos seus inimigos figadais e a uma ideologia em especial.

O livro de Ressabiado Silva tem como base a sua sabedoria infinita. São textos que, para ele, são princípios sagrados e contêm histórias, doutrinas, códigos e tradições que devem guiar os verdadeiros políticos.

Ressabiado Silva, assim como para os seus correligionários, sempre se considerou um símbolo do país onde vive e o maior panteão do partido a que aderiu, talvez por engano, ou talvez porque não teve coragem de aderir na altura da queda do antigo regime a outro com que mais se identificasse.  

Teve sempre uma visão austera, (ainda há quem aprecie), com um perfil que aponta para um autoritarismo que mal consegue disfarçar. Poderia ter sido líder de um partido de extrema-direita, embora sem os chavões populistas inerentes. Poderia até ser líder de um partido com amostras de salazarismo, sem Salazar, em convivência com uma democracia controlada a seu modo. Foi o forno onde ele se cozinhou. A sua postura comunicacional, quer a sua retórica, quer o que defende, fazem parte de um passado que pode não estar longe de poder regressar, não na sua forma primitiva, mas revista e atualizada.

Ressabiado Silva tem uma necessidade egocêntrica e narcisista de se mostrar o melhor, o sábio, o infalível. Faz oposição a um governo cujas políticas não sejam as que ele defende e que pretenderia impor ao país onde vive. Nestas circunstâncias, tem o impulso de sair da concha onde habita, para fazer campanhas de oposição a qualquer governo que não seja o por ele idealizado, sem, no entanto, propor soluções. Dizem os seus correligionários que ele é o símbolo de um período de crescimento no país, mas e as pessoas terão de facto também crescido? Ressabiado Silva é um saudosista do poder, mas dum poder absoluto. Ressabiado Silva parece ter-se esquecido que pensar e decidir quando se está no poder, frente a problemas atuais, concretos e complexos não é o mesmo que escrever para dar lições quando se está por fora do poder e como se o tempo tivesse parado.

 

As lições de Ressabiado Silva

O nome próprio “Ressabiado” não existe, é ficcionado. Tal nome próprio nunca terá sido posto a ninguém, a não ser como alcunha. Já viram com...