O discurso e a ação política de Rui Rio em que procura
conquistar apoio através da manipulação das emoções em detrimento do uso de
argumentos lógicos e racionais.
(Publicado em “O
SAPO24)
O presidente
do PSD criticou hoje a atitude "prepotente" do PCP que levou por diante
a realização do congresso do partido e acusou o Governo de "cobardia"
por não impor a realização por videoconferência.
Na apresentação das medidas restritivas em vigor no atual
estado de emergência, António Costa explicou que, mesmo que o Governo quisesse,
não seria juridicamente possível limitar o Congresso do PCP deste fim de
semana. Porque é que tal é verdade, mas também de que maneira é que poderia não
o ser. Ver
aqui.
Começou hoje o Congresso do PCP.
Afinal, a lei podia ou não proibir a reunião da família comunista?
Elementos do Partido Comunista Português (PCP), participam
nos preparativos do XXI Congresso do PCP, Loures, 26 de novembro de 2020. O XXI
congresso nacional do PCP realiza-se no Pavilhão Paz e Amizade, em Loures, sob
o lema "Organizar, Lutar, Avançar - Democracia e Socialismo", com
metade dos delegados (600) e segundo medidas sanitárias especiais devido à
epidemia de covid-19.
"Mesmo que o Governo quisesse não podia fazer nada,
mesmo que a Assembleia da República quisesse, mesmo que o senhor Presidente da
República quisesse nenhum de nós o podia fazer nos termos da lei que está em
vigor desde 1986. É assim que está na lei", afirmou António Costa no
passado fim de semana, durante a apresentação das medidas que iam passar a
vigorar durante o novo estado de emergência que dura até ao próximo dia oito de
dezembro, quando questionado sobre a realização do Congresso do Partido
Comunista deste fim de semana.
A questão não será assim tão simples, mas é possível que
seja entendida se se perceber como funciona o quadro jurídico vigente em
Portugal.
Ora, o primeiro ponto que precisa de ficar assente é o de
que a Constituição da República Portuguesa funciona como a moldura que abraça
todo o quadro de leis. Ou seja, todas as leis da Assembleia da República e do
Governo têm de respeitar o que está escrito na Constituição.
Desta forma, segundo explicou ao SAPO24 o Professor Miguel
Prata Roque, da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, pela
Constituição, de acordo com os artigos 46º e 51º, não é possível existir uma
interferência do Estado no funcionamento dos partidos políticos e as atividades
destes não podem ser, em princípio, suspensas – a não ser que haja lei ou
decisão judicial que o preveja.
Esta é, assim, a regra base: à partida, o Estado não pode
afetar direitos políticos, como o realizar do Congresso do Partido Comunista
Português.
No entanto, a mesma Constituição também abre portas a que
estes direitos políticos sejam possivelmente limitados, em situações como a do
atual estado emergência.
O artigo 19º/6 da Constituição estabelece o seguinte:
“A declaração do estado de sítio ou do estado de emergência
em nenhum caso pode afetar os direitos à vida, à integridade pessoal, à
identidade pessoal, à capacidade civil e à cidadania, a não retroatividade da
lei criminal, o direito de defesa dos arguidos e a liberdade de consciência e
religião.”
Como nos explicou o Professor Tiago Serrão, também da
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, estes são, segundo a doutrina
jurídica, os chamados direitos “fundamentalíssimos” - aqueles direitos que são
tão fundamentais que a Constituição proíbe que em caso algum sejam limitados
por quem compõe as leis.
Não obstante, este leque de direitos “fundamentalíssimos”
não consagra, como é possível ler, qualquer proteção a direitos de cariz
político. Assim, se não são protegidos pela Constituição, então não têm,
obrigatoriamente, de ser protegidos pelas leis do Governo ou da Assembleia da
República.
Deste modo, em tese, poderia ser escrita uma lei que
definisse que “em estado de emergência é possível limitar direitos dos partidos
políticos”. Ainda assim, não é isso que está em vigor nas leis atuais (que
concretizam, portanto, a Constituição).
O regime que tutela as situações em que é proclamado o
estado de emergência é a Lei nº 44/86, de 30 setembro, e nessa lei ficou
decidido que, apesar de a Constituição não obrigar a tal, “as reuniões dos
órgãos estatutários dos partidos políticos, sindicatos e associações
profissionais não serão em caso algum proibidas, dissolvidas ou submetidas a
autorização prévia” (como refere o artigo 2º/2,e) da Lei).
Por outras palavras, ainda que a Constituição não o
obrigasse, em 1986, quando a lei foi aprovada, ficou decidido que em estado de
emergência não fazia sentido proibir reuniões dos órgãos estatutários dos
partidos políticos – e é este o regime que vale nos dias de hoje.
Desta maneira, de acordo com a lei em vigor, de facto, nem o
Governo nem a Assembleia da República nem o Presidente da República poderiam
fazer algo contra a realização do Congresso do Partido Comunista Português, que
se inicia nesta sexta-feira.
No entanto, como explicaram ao SAPO24 os Professores Miguel
Prata Roque e Tiago Serrão, uma lei, como qualquer diploma legal, pode sempre
ser alterada, e esta lei que tutela o regime de estado de emergência não é
exceção.
O que seria preciso, então, para que o Congresso pudesse ser
proibido?
Que o regime que tutela a declaração do estado de emergência
fosse alterado. Ou seja, que a Lei nº 44/86, de 30 de setembro, fosse alterada.
Para que esta fosse modificada seria necessário que fosse
proposta uma nova lei por iniciativa da Assembleia da República. Por exemplo,
poderia partir de um grupo parlamentar.
Sendo uma matéria que tem a ver com partidos políticos e
liberdade de associação, o Governo não poderia propor tal alteração, porque se
trata de uma questão de reserva absoluta de competência da Assembleia da
República – de acordo com o artigo 164º, h) da Constituição.
Para ser aprovada esta nova lei seria necessária maioria
absoluta dos deputados, ou seja, 116 votos a favor – pelos artigos 166º/2 e
168º/5 da Constituição.
O Professor Tiago Serrão explica que defende uma atualização
desta lei, de maneira a ser mais conforme à situação de pandemia que vivemos –
propondo, por exemplo, um maior incentivo ao uso de meios telemáticos ou do
online neste tipo de ajuntamentos políticos.
O Professor Miguel Prata Roque manifestou, também,
preocupação com o facto de uma lei deste género necessitar de ser abstrata, não
podendo ser considerada uma “lei-medida” ou uma “lei-fotografia”. Ou seja, a
ser criada, não podia ser destinada a um único caso, como o Congresso do PCP,
pois tal violaria o princípio da separação de poderes.
Caso esta nova lei fosse aprovada, seria ainda necessário
que o Decreto do Presidente da República que declara o estado de emergência
contivesse uma autorização para que o Governo pudesse afetar direitos
políticos.
Atualmente, sob o Decreto do Presidente da República nº
59-A/2020, de 20 de novembro, o Governo não está autorizado a limitar estes
direitos políticos.
No caso do Decreto do Presidente da República o permitir, o
Governo, através do Conselho de Ministros, teria de decidir favoravelmente à
limitação de direitos políticos enquanto está em vigor o estado de emergência.
Atualmente, o Decreto da Presidência do Conselho de
Ministros nº 9/2020, de 21 de novembro, também não o permite.
Conclusão
Em teoria, segundo os Professores Miguel Prata Roque e Tiago
Serrão, seria possível que, juridicamente, o Congresso do PCP deste fim de
semana fosse proibido ou obrigado a acontecer em moldes diferentes do que vai
acontecer.
No entanto, para que tal acontecesse seria necessário um
esforço conjunto entre Assembleia da República, Presidente da República e
Governo.
Atualmente, dado o quadro jurídico em vigor, tal afetação dos
direitos políticos não é possível.
Pesquisa e texto por João Maldonado
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