A televisão, em especial, deveria ser uma referência de estabilidade, diante da violência da insegurança e da complexidade do cotidiano. Os telejornais deveriam funcionar como uma janela para a realidade, mostrando que o mundo circundante existe, está lá e que o mundo não se transformou num caos e a vida segue a sua normalidade. Infelizmente não é isso o que acontece, quanto mais caos e o passar do que é normal a uma anormalidade tanto melhor, porque também quanto mais audiências tanto melhor. Temos, por isso que nos capacitar da necessidade de uma leitura distanciada, mas atenta, do que as televisões e, já agora também, as redes sociais, nos dão para consumo para evitarmos ser manipulados.
Sobre o que afirmamos conhecer como sendo um facto objetivo e como uma verdade empírica, também estão envolvidos os nossos preconceitos culturais, interesses económicos, pontos de vista políticos e, ainda, as nossas crenças e perceções que também podem ser uma projeção induzida pelos meios de comunicação social, nomeadamente os canais de televisão.
Há duas realidades sociais: a objetiva que existe independentemente de cada um de nós e a realidade subjetiva contruída numa perspetiva que depende de cada um de nós que não é mais do que uma combinação de múltiplas subjetividades. A realidade é influenciada pelos meios de comunicação (imprensa, rádio, televisão, redes sociais) que leva as mesmas mensagens a múltiplos recetores cujo poder é manifesto porque uma ideia transmitida através deles pode modificar a realidade social, isto é, alterar a forma como a comunidade entende aquilo que acontece dentro da sua própria sociedade. Realidade social é então o conjunto das interações que os seres humanos estabelecem entre si e entre aquilo que os rodeia num dado espaço e tempo.
Os meios de comunicação social, especialmente as televisões, são os que mais contribuem para informar acerca da política e do governo e fazem-no de tal modo que mais parece estarmos em permanente campanha eleitoral. Aliás, os partidos da oposição e os que apoiam o Governo são também responsáveis por essa campanha que os órgãos de comunicação social aproveitam ao escolherem preferencialmente os que melhor representam os conflitos e as posições extremadas, incluindo os políticos e os comentadores selecionados para os debates com o objetivo competir pelas audiências.
A seleção de imagens que passam na hora nobre dos noticiários televisivos sobre o que se passou no dia, ou em tal data, são as que apresentam políticos em verbais “batalhas encarniçadas” nos debates na Assembleia da República porque acham ser mais atrativo em termos informativo e não em qualidade, mas que, de facto, serve apenas para prender os espectadores ao ecrã porque conhecem as suas preferências. Para eles o mau da política e as rivalidades partidárias têm mais interesse do que os acordos e negociações que se fazem entre eles. Podemos traduzir isto numa representação matemática de função y=f(x), ou seja, prisão aos ecrã e audiências (y) é função de confrontos, aspetos mesquinhos, pessoais e extremar de posições (x).
Os canais de televisão não oferecem um alinhamento informativo rico no que se refere ao conteúdo político para o país que esteja em causa em debates importantes. Preferem satisfazer o jogo daqueles que se esforçam unicamente em chamar a atenção. A televisão não pretende dar uma imagem mais equilibrada e formativa da política porque isso não lhe dá audiência nem share, isto é, saber se o seu canal tem vantagem sobre outro.
Veja-se o exemplo da grelha da TVI ao domingo no final do noticiário. A TVI contratou Ricardo Araújo Pereira para um novo formato a que chamaram “Gente que não sabe estar”, logo após o Jornal da 8 daquela estação. Pretende ser um programa de humor que, apesar de ter alguma graça, assenta na descredibilização da política e dos políticos, nomeadamente na desacreditação do Governo e do primeiro-ministro, pelo menos assim aconteceu na última apresentação em que mais de 50% do tempo foi dedicado a essa missão. Recordo que em 2015 a TVI no mesmo horário emitiu um programa idêntico e do mesmo autor/apresentador. A pergunta que me faço é se o objetivo do programa da TVI não será fazer uma oposição mascarada de humor ou se é para aproveitar o ano de eleições para captar mais audiências? Assim, é mais um contributo para a formação de uma certa realidade social.
A democracia deve ser um equilíbrio entre acordos e desacordos, entre competição e cooperação dentro do que as circunstâncias e as ideologias de cada partido o permitem. Fazer política é conseguir estabelecer consensos naquilo em que se pode estar em acordo e não transigir naquilo em que se pode estar em desacordo. É talvez devido a este princípio inerente à própria política em democracia que Rui Rio tem sido criticado pela oposição interna do seu partido, nomeadamente por Montenegro cuja estratégia é a oposição pela oposição e a sua pretensão é que não se transija em qualquer tipo de entendimento com o governo de centro esquerda em funções.
Alguns políticos parecem esquecer-se de que os consensos são essenciais em democracia e de que as pessoas, o povo, começa a estar farto dos confrontos e que muitos podem ser presa fácil de partidos irresponsáveis e populistas como esse do tal André Ventura que defende uma coisa publicamente e apresenta um programa que nega o que defende publicamente. “O ex-militante do PSD, apadrinhado por Passos Coelho e abandonado pelo CDS em Loures, pode dar-se ao luxo de defender a castração química para pedófilos, a pena perpétua, a redução do número de deputados e outras diatribes populistas para consumo de incautos…” e, como escreve um artigo de opinião no jornal Público, ao mesmo tempo entregar no Tribunal Constitucional um programa político assente na rejeição do racismo e na defesa da igualdade de oportunidades para todos”. Por favor, não nos gozem!
Os detratores da democracia, aspirantes a ditadorezinhos querem-nos convencer de que a democracia, ao contrário de outros sistemas políticos em que se reprimem os dissidentes, se colocam obstáculos à alternativa governativa, se defende uma nação culturalmente unívoca, se persegue a diferença e se ocultam os erros é um sistema gratificante, eficaz e que dá lugar à prosperidade ao país. Pretendem demonstrar que a democracia é um sistema falhado que foi capturado pelo radicalismo de esquerda. Esses, os do radicalismo direitista, querem que acreditemos no negativismo da democracia que é um sistema onde a liberdade política resulta numa batalha em virtude da qual o espaço público se enche de coisas negativas.
Por sua vez as televisões também se encarregam de mostrar que os espaço da política é o lugar onde apenas uns criticam outros ao mesmo tempo que mostra os escândalos amplificados acima do seu valor; faz com que protestos organizados, legitimados pelo direito ao protesto e à manifestação que fazem parte das liberdades democráticas, como se fossem terríveis contestações sociais.
Como os elogios dos adversários e a honestidade não fazem notícia tudo quanto é bom é esquecido e o mau é relevado. As pessoas e organizações tendem a fazer valer ruidosamente os seus interesses individuais ou grupais, sem cuidarem de saber se há ou possibilidade, ou não, para tal, sendo aumentados pela comunicação social que contribui para uma exagerada e errada construção da realidade social e política.
Uma pessoa menos informada pode ficar com uma impressão demasiado negativa sobre a democracia e a política e cair em erros de perceção gerados pelo antagonismo democrático institucionalizado, assim como pela corrupção que a democracia possibilita por a descoberto. A corrupção é sempre intolerável, mas não é a democracia que a possibilita. Nos regimes claramente não democráticos e noutros a que alguns chamam democracias musculadas e, ainda, nas democracias populares a corrupção existe, mas não é posta a descoberto. Não é posta a descoberto devido às limitações à liberdade de expressão e à perseguição feita aos órgãos de comunicação.
Na nossa democracia o que acontece é que a informação a que o comum dos cidadãos tem acesso tende a chegar-lhe maquiada, ou não, consoante os objetivos e até algo confusa e também amplificada e “preparada” face ao facto em si mesmo para a atrair audiências estimulando a agitação ou preocupação nos espectadores. Não é raro vermos noticiários televisivos, mesmo após casos resolvidos e encerrados, que, passado tempo, são novamente recuperados para serem transmitidos como peça no horário nobre, reavivando memórias que tenham um potencial interesse político negativo. Do meu ponto de vista estas situações atingem o seu primor quando governos no poder não são de formação de direita pelo que há uma preocupação da procura de casos de interesse exploratório que possam ser um complemento para a oposição e, tanto mais, quando se está em ano de eleições.
Pode perguntar-se se a comunicação social não deve informar e alertar para casos de corrupção e de práticas governativas menos corretas ou falhas no regime. A resposta é, obviamente, sim. Contudo os olhares devem ser para todos os lados e não apenas para um só numa espécie de estrabismo político.
Se analisarmos e compararmos meticulosamente vários anos de governo de direita e de esquerda vemos que a direita é menos fustigada pela descoberta e divulgação de casos e factos com as mesmas ou idênticas características, e são mostrados com menos intensidade e persistência nos noticiários e primeiras páginas dos jornais. Que imagens de suspeitos de corrupção, conotados com a direita, aparecem insistente e sistematicamente nas primeiras páginas de jornais e na televisão? Raramente e se tal acontece aparecem timidamente em local na página de modo a ter menos impacto visual.
Os meios de comunicação devem ter uma função de escrutínio, de observadores e críticos da política e da sociedade, todavia tendem a amplificar os desacordos partidários e ideológicos, os escândalos de corrupção, mas sobretudo estes são tratados como narrativas de confronto e desacreditação dos partidos, quer levantando suspeitas, quer sugerindo na opinião pública julgamentos e condenações antecipados, levando à perceção da política como algo de negativo e corrupto, dando às extremas direita a oportunidade para difamar o regime democrático. Recorde-se o caso do neonazi Machado na TVI e o seu panegírico salazarista. É por estas razões, e obviamente por outras, que as pessoas dizem estar fartas de política e detestar os confrontos próprio do debate político com argumentos como o de “eles não se entende”. Este tipo de pensamento nutre-se e desenvolve-se através das informações que lhes chegam. Em democracia há o confronto de ideias e de opiniões, mas também há consensos.
A constatação é de que as notícias são alimentadas pelo que de mau acontece, como sejam acidentes, catástrofes, confrontos partidários acessos, mas irrelevantes para a resolução de problemas, dissidências no governo ou no interior de partidos, muitas delas exageradas, porque são essas que têm audiências. É um facto que o “combate” democrático desenrola-se cada vez mais no espaço mediático que raramente contribui para estimular o que é positivo preferindo exagerar os seus defeitos e dar a perceção do regime como negativo.
Os meios de comunicação, e refiro-me concretamente às televisões, que nos apresentam uma visão distorcida da política e dos partidos que acabam por gerar desespero e, sobretudo, confusão nas pessoas, no momento em que todos temos necessidade de informação para conseguir formar uma ideia do que se passa no país para fazer opções apropriadas.
Mostram o que se passa nos debates da Assembleia da República como de importância relevante, não o que politicamente possa interessar e seja relevante para a tomada de decisões políticas, os pequenos episódios com verbalizações exaltadas, por vezes até menos apropriadas, durante os debates como, por exemplo, aconteceu na exagerada e inoportuna resposta do primeiro-ministro a Assunção Cristas do CDS cuja pergunta que fez foi apenas de mera retórica e provocatória já que nada acrescentava para esclarecer o tema.
O exagero das tensões que se passam no nosso parlamento não são originais, são meros acontecimento pontuais e próprios do debate político em democracia. No Parlamento Britânico, o mais antigo do mundo, que tem mais de 900 anos, nos dias de hoje os debates são menos pacíficos do que podemos imaginar como podem ver no vídeo captado em abril de 2018.
Como afirmei no início a realidade social subjetiva somos nós todos que a construímos ao mesmo tempo que se é influenciado por uma outra que nos é apresentada pelos canais da comunicação social, não tal como é, mas como querem que nós a assimilemos, daí que a realidade social também seja entendida como fenómenos que existem independentes da nossa vontade através de uma conjunção de fatores sociais entre eles o da comunicação e da informação que nos chega pelos vários media.
Os critérios da relevância das notícias são definidos no ambiente das redações e estão sujeitos às rotinas e aos aspetos valorativos das notícias por elas definidos. O momento em que se se seleciona uma notícia de natureza política em vez de outra é uma decisão que se toma e indica um caminho que de alguma forma terá implicações na sociedade e na opinião pública. O perfil do telejornal que é editado é o que também condiciona a passagem de uma certa notícia ou de uma determinada imagem.
Tem sido frequente as televisões passarem imagens de um determinado facto captadas por telemóvel que se resumem a escasso segundo e, a partir daí, formar uma notícia dando-lhe a relevância, por vezes não justificada antes que sejam averiguados os factos concretos que lhe deram origem. A partir desse momento o julgamento da opinião pública por indução foi logo alcançado. Veja o caso dos acontecimentos no bairro da Jamaica cuja primeira imagem que passaram no noticiário foi uma captação de um vídeo de telemóvel de apenas alguns segundos, repetido várias vezes e que não nos dava a informação suficiente para o esclarecimento e comentário válido do facto concreto. O como, e o porquê da agressão mostrada no vídeo passam para segundo plano e as conjeturas e juízos iniciam-se assim para alguns espectadores sem elementos suficientes para análise.
A televisão, em especial, deveria ser uma referência de estabilidade, diante da violência da insegurança e da complexidade do cotidiano. Os telejornais deveriam funcionar como uma janela para a realidade, mostrando que o mundo circundante existe, está lá e que o mundo não se transformou num caos e a vida segue a sua normalidade. Infelizmente não é isso o que acontece, quanto mais caos e o passar do que é normal a uma anormalidade tanto melhor, porque também quanto mais audiências tanto melhor. Temos, por isso que nos capacitar da necessidade de uma leitura distanciada, mas atenta, do que as televisões e, já agora também, as redes sociais, nos dão para consumo para evitarmos ser manipulados.