Política

Por falar sobre a Autoeuropa chamem-me o que quiserem

Não sou defensor da exploração dos trabalhadores, nem da desregulamentação indiscriminada dos contratos de trabalho, nem do abuso dos horários de trabalho, nem tão-pouco de salários baixos. Todavia, acho que há limites na utilização dos trabalhadores e das empresas como recurso para a concretização de movimentos e formas de pressão, mais ou menos dirigidos, para se obterem dividendos políticos.


O jornal Público numa das suas páginas coloca como título “A paz social na Autoeuropa e outros recados de Natal de Marcelo a Costa” a propósito do Presidente da República ter feito um apelo à paz social na Autoeuropa que pode estar a caminho de uma nova greve.


Não necessito de saber muito do que se passa no interior da Autoeuropa no que se refere à dita luta entre os trabalhadores e a administração da empresa. Basta-me saber o que começa a passar-se quando a CGTP e os sindicatos a ela afetos se intrometem. Não é novidade o que tem acontecido ao longo de décadas e por causa disso muitas empresas saíram de Portugal ou fecharam. Argumento de direita? Chamem-lhe o que quiserem.


Nos últimos anos a anterior Comissão de Trabalhadores negociou com a administração e, normalmente, chegavam a acordo. A Autoeuropa é uma empresa importante para o país e tem sido um dos exemplos de clarividência, quer por parte dos trabalhadores, quer por parte da administração, e um exemplo de como gerir a pacificação social dentro duma empresa, até um dia.


 Esse dia chegou com a infiltração da CGTP de Arménio Carlos, esse dito defensor dos direitos trabalhadores naquela empresa com ânimos agitados pela penumbra que olha em todas as direções onde pode lançar ou aproveitar a discórdia e parece apostada na destruição de empresas necessárias ao país.


Apesar de ter ficado em terceiro lugar com 26,58% nas eleições de outubro passado para a Comissão de Trabalhadores a CGTP está a conseguir manipular os trabalhadores daquela empresa prejudicando a produção e mais agora o sr. Arménio Carlos.


O secretário-geral da CGTP, já se arroga  o direito de falar sobre a estratégia produtiva a médio e longo prazo da fábrica da Autoeuropa em Palmela, que passe pela produção de carros elétricos.


Não sr. Arménio Carlos, não estamos num regime coletivista estatal como gostaria. A Autoeuropa é uma empresa privada e é ela que decide o que irá ou não produzir. Ou será que a que a quer nacionalizar assim como a tudo e acabar com tudo quanto é privado? Até a mercearia da esquina.


A tática da CGTP é sempre a mesma, onde quer que se infiltre é para cria instabilidade nas empresas e nos próprios trabalhadores através de processos reivindicativos, por vezes irrealistas, prejudicando assim as próprias empresas e, potencialmente, os postos de trabalho. Nesta “luta” aparece também o Bloco de Esquerda que, não querendo ficar na sombra, deita achas para a fogueira não querendo ficar atrás do PCP.


A CGTP é uma espécie de rapace que ataca rapidamente sempre que se lhe abre uma oportunidade. Arménio Carlos é um radical de extrema esquerda comandado à distância pelo espírito vanguardista do PCP, levando o BE de arrasto ambos se reivindicando defensores dos trabalhadores. A CGTP segue e fomenta o breviário da instabilidade social nas empresas com promessas vãs de aumentos salariais, redução de horas de trabalho e defesa de direitos para, depois, poderem gritar o estribilho de uma vitória que se poderá vir a ser efémera.


O PCP perdeu parte das autarquias nas últimas eleições, mas quer agora, através da “luta”, ver se consegue mostrar que são os únicos defensores dos direitos dos trabalhadores, por não se ter sido recompensado nas últimas autárquicas. Procura no futuro que lhe coloquem mais uns votinhos nas urnas. Puro engano. Quando os trabalhadores começarem a sentir que poderão perder os seus postos de trabalho porque alguns os conduziram a isso através de vãs e efémeras promessas passarão para o lado do populismo de direita que anda por aí a espreitar.

No meio do nada encontra-se o PSD

No programa “Poder Laranja” do último sábado, moderado por Constança Cunha e Sá, foram convidados Feliciano Barreiras Duarte apoiante do Rui Rio, Duarte Marques apoiante de Santana Lopes, António Leitão Amaro sem candidato assumido e Sebastião Bugalho jornalista do jornal i.


Todos eles são militantes ou simpatizantes do PSD. O debate foi um vazio total de ideias, propostas e programas o que já seria de esperar especialmente por parte do apoiante de Santana Lopes. O apoiante de Rui Rio foi o que melhor defendeu a candidatura.


Em vez da defesa das candidaturas e da apresentação das propostas dos candidatos refugiaram-se no ataque ao Governo socialista com argumentos estafados e já por demais utilizados por Passo Coelho, não faltando até a evocação de Sócrates. Mais pareceu um debate sobre a defesa do ainda atual líder e o ataque ao Governo do que a defesa das próprias candidaturas.


A pobreza argumentativa foi evidente centrada na questão da identidade   e na posição do partido dentro do espetro partidário. Não se pode desejar que o PSD seja igual ao partido socialista dizia o apoiante de Santana. Dizia o apoiante de Rui Rio que havia que regressar às origens do partido, a social-democracia. Defendiam-se outros dizendo que o PSD não é de direita, mas do centro-direita ou de centro. No final não se ficou a saber qual é o espetro ideológico do partido. Mas a ideologia não interessa aos portugueses nada lhes diz, como disse o apoiante de Santana, o que querem ver é factos concretos. Já vimos e bastante no passado e o que prometiam para o futuro, diria eu!


Parece que, segundo se pode deduzir pelo debate, ao PSD nada interessa nem sequer a ideologia. A ser assim não se percebe ao que vão nem o que pretendem.


Parece que, segundo eles, lá para a semana vai sair um programa. Como já disse Santana Lopes numa entrevista ainda não há projeto, mas está tudo na minha cabeça.


Apesar de eu já ter escrito várias vezes que o PSD abandonou a sua matriz social-democrata acantonando-se na corrente neoliberal, coisa que refutaram alguns dos presentes no debate. De cada vez que os oiço falar mais me convenço de que não há volta a dar ao PSD, afinal não é social-democrata e não tem vontade de o ser, então, sem dúvida, é um partido de direita e com alguns laivos radicais e populistas que foram nascendo.


Foi um debate de nada, e sobre nada, um vazio total. Quem não estava esclarecido ou tinha dúvidas como eu ainda ficou pior.


Todavia Rui Rio é o único que se afasta um pouco da linha dos outros jovenzinhos que vieram da JSD, agora bem instalados no partido e com cargos políticos que vêm a público dizer balelas ou cantando o refrão do que ouvem por aí. Para mim, uma coisa ficou clara: o apoiante da candidatura de Santana Lopes e Leitão Amaro tentaram fugir ao rótulo de direita que, segundo dizem, lhes foi colocado pela esquerda. Ficámos sem saber no final e apesar de o negarem se não são de direita então o que são afinal…


Hoje a candidatura de Santana Lopes anunciou o seu programa que já tinha dito estar apenas na sua cabeça ao mesmo tempo que um dos elementos que o apoia invoca Deus para vir em seu auxílio ao dizer numa reunião que Santana “graças a Deus vai ser eleito”. É a primeira vez que em política se recorre claramente à religião como fonte aliciadora de almas simples e sãs para uma causa deveria ser estritamente laica.


Não é novidade que a igreja tenta em época de eleições influenciar eleitorado católico para a direita durante as homilias, o inverso para mim é novidade e, tanto mais, que chega já às raias do populismo de baixa ética. Invocar o nome de Deus em vão misturando-o com causas políticas parece ser a transformação duma candidatura dum político que mais parece ser a de uma espécie de seita religiosa.

Os zombies da direita

Hoje acordei virado para o lado da ficção de terror que atualmente está muito em voga, especialmente em séries televisivas só que, ao nível da política, infelizmente não é ficção.


O PSD, partido que nos últimos anos abandonou a social-democracia e passou a representar uma certa direita em Portugal, faz-me lembrar a série de televisão “Walking Dead” cujo enredo se baseia nos zombies que segundo o estereótipo popular são seres humanos dados como mortos que, após sepultados, são posteriormente reanimados por meios desconhecidos.


Esta direita zombie arrasta-se por aí, por todo o lado, sem rumo e sem projeto tendo como único propósito a assombração de tudo e de todos.


Com o auxílio de alguns media a direita vai desenterrando aqui e ali tudo quanto encontra e sirva para fazer oposição através de casos que os media lhe vão fornecendo, ou que ela vai fornecendo aos media. Estes zombies da direita têm alvos com prioridades estabelecidas e auxiliados pelas suas toupeiras no terreno.


Na campanha eleitoral interna para eleição do futuro líder do PSD, quer Santana, quer Rio, talvez com o objetivo de captar os fiéis neoliberais de Passos Coelho, não têm apresentado nada de novo e recuperam as teses do ainda atual líder. Rui Rio, por exemplo, sem nada propor de novo, volta à tese do “com o consumo interno não vamos lá”. Poderá até ter razão, mas onde está a alternativa que não coloque novamente o país como Passos Coelho o deixou? Claro que devemos reconhecer-lhe algum mérito como Santana Lopes já fez. Contudo, quais são as propostas que os candidatos a líder da direita PSD têm apresentado ao partido e ao país? Será a evolução na continuidade à semelhança do que foi a primavera Marcelista, mas em democracia?


Quem se disponha e tenha paciência para suportar ler manifestos inseridos nos comentários que encontramos nos artigos e opiniões dos jornais online onde sentimentos de ódio e frustrações se misturam terá a oportunidade de se deparar com uma outra espécie de zombies que, escondidos no anonimato, saem das profundezas das redes para atacar tudo e todos os que não pensam como eles, uma espécie de protofascistas. Para estes, todos os que não são de direita são comunas. Todos o que não sejam ideologicamente de direita ou apresentem formas alternativas para governação são comunas. Estes mortos-vivos são os mesmos que lançam chavões ofensivos e “fake news” (notícias falsas) por todos os meios que estejam ao seu alcance. A constatação deste facto não se resume apenas à direita, há também os fogosos(as) da esquerda que, embora proliferem em menos quantidade, não deixam de exagerar na sua linguagem de baixo calão.


Estes mortos-vivos, especialmente os da direita que atacam tudo quanto seja a responsabilidade social do Estado e apregoam reformas (seja lá o que entendem por isso), são os mesmos que, sem se fazerem rogados e sempre que podem, atiram-se por todas as formas a tudo quanto possam sacar ao mesmo Estado, mesmo em prejuízo de outros. Estes grupos, espécie de “batoteiros”, sempre que podem sentam-se à mesa do orçamento do Estado recorrendo a subsídios, fundos europeus a fundo perdido e outros a que se julgam com direito numa perspetiva egocentrista. Por outro lado, sentem-se lesados quando se lhes acaba o regabofe e, daí, o seu sentimento de perda de poder, prestígio, revolta, agressividade e ódio que se revelam por comentários com que povoam as redes sociais e áreas de opinião dos jornais online num impulso de destruir adversários virtuais que apenas existem na sua mente.


Este tipo de zombies maltrata os outros pela linguagem que utiliza nos seus argumentos, mas não gostam que os maltratem a eles. Até políticos ditos responsáveis (deputados normalmente) verbalizam ofensas muitas vezes pessoais, mas indignam-se e levantam-se para intervir em defesa da honra pessoal ou da bancada. Não seguem a regra de “tratar os outros como queremos que nos tratem”.


A questão que se coloca é a de saber se será possível argumentar e comentar bem e com eficácia sem pesquisar nem compreender os meandros do fenómeno sobre o qual se comenta? Eu diria que sim, mas com alguma reserva. Esta reserva reside na moderação do comentário que passa a ser uma opinião e não uma crença absoluta. A crença em política é acreditar, sem margem para dúvida, que aquilo em que acreditamos é a nossa verdade; ou podemos, por outro lado, acreditar que essa coisa deve ser verdade sem o ser.


Quem faz comentário político nas redes sociais e nos comentários dos jornais online (eu incluído) não pode conhecer factos de forma completa, exata e em todos os seus detalhes; o que acontece é que os fenómenos vão chegando ao nosso conhecimento de forma fragmentada, incompleta e aproximativa, como se fossem dados por um GPS a que falta uma ou mais referência duma localização. Todavia existem pessoas que os conhecem de forma completa e exata.  Por exemplo, não é racional acreditar como um facto sem margem para dúvidas numa coisa acerca da qual temos apenas um conhecimento fragmentar e incompleto, por muito verdadeira que essa coisa pareça.


Os comentários a que me refiro são reveladores de sentimentos de fúria, raiva, frustração e outros, cujas lógicas são difíceis de compreender e, como tal, só podem ser limitadas a crenças tipo seita religiosa que movem as pessoas envolvidas e que nos parecem por vezes estranhas convertendo argumentos políticos em ofensas pessoais onde se fazem até descabidas e irracionais conotações.


Transcrevo apenas alguns exemplos desses comentários, que não são dos que utilizam linguagem mais ofensiva, tal e qual foram publicados exceto o itálico.


Entrevistado e entrevistador são ambos bolcheviques, um do bloco, o outro da soeiro pereira gomes. Louçã a preparar o terreno para a crise que se avizinha, com a despesa descontrolada pela pressão permanente dos partidos bolcheviques que, para mais, impedem qualquer reforma relevante.


Preparar o terreno para ele é acima de tudo ilibar a extrema esquerda de qualquer responsabilidade!


Quando este padreca leninista do Louçã diz que nunca há controlo das taxas de juro mente conscientemente e descaradamente, quando sabemos que o Banco central Europeu tem mantido as taxas de juro a um nível baixo, através das compras dos activos dos bancos. Compras que para a nossa banca desde 2015 ascendem a uns 30 mil milhões de euros!


Este comentário é sobre uma entrevista dada por Louçã ao jornal i a propósito de um livro que foi lançado em outubro por ele e por Michael Ash. Este economista afirma ao jornal Público que “uma nova crise financeira internacional, ao estilo da vivida há uma década é neste momento provável”, alerta. Michael Ash é economista norte-americano, professor na Universidade de Massachusetts e juntou-se este ano a Francisco Louçã, economista e ex-líder do Bloco de Esquerda, para lançar o livro “Sombras - A Desordem Financeira na Era da Globalização”. Nessa obra, traça-se um cenário pessimista em relação à forma como os mercados continuam desregulamentados e ensaia-se uma explicação para o facto de, mesmo depois da crise, pouco ter mudado.


O comentário mostra que, ou não leu a entrevista ou não sabe do que o entrevistado está a falar. A entrevista referia-se às crises internacionais que podem surgir a qualquer momento.


Francisco Louçã tem diversas obras publicadas sobre as causas das crises cíclicas, algumas publicadas com autores estrangeiros, é um economista reconhecido lá fora por esse trabalho. Que não se goste dele ou da sua ideologia, da qual não sou adepto, isso é outra questão, mas suponho que não terá nada a ver com uma conclusão desfavorável em relação ao que ele escreveu.



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Outro comentário:


Ó pateta, vai lá pedir um empréstimo ao banco e vais ver a taxa de juro que te cobram!


A (baixa?) taxa de juro do BCE reflete-se nos ganhos para a banca ou em ganhos para a economia, para o cliente? E se assim é porque mistéio é que arrotamos milhares de milhões todos os anos para pagar os tais 35 mil milhões mais juros e o mais que virá?


Este comentário nem vale comentário.


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Mais outro, este provavelmente de esquerda:


Afinal pagamos o que não foi para o povo, mas que foi assumido como dívida pública.


O dinheiro não veio para tapar os buracos no Estado, aliás inexistentes dado o saldo primário anual de cerca de 7.000 milhões de euros. Foram para outros buracos bem privados e foram pedidos com a assinatura de Sócrates, Passos e do panasca, que constam no documento em Bruxelas.


Os comentários parecem ter vindo de seres que saíram das trevas para tentar captar alguém para as profundezas onde se encontram.  Servem-se da ofensa pessoal, atributo de fraqueza argumentativa, e destilam sentimentos de ódio e de estigmatização. Todavia outros comentários salientam-se pela sua sobriedade e clareza sem que isso signifique ser verdade, ou de quem os faz ter razão.

Caminhando em direção ao passado

Longe de Lisboa, num intervalo para o meu próximo texto, resolvi transcrever para o blog um artigo de opinião da autoria de Teresa de Sousa publicado hoje no jornal Público do qual aconselho a sua leitura. O texto leva-nos a meditar e a refletir sobre uma sociedade que alguns estão a ajudar e desejam construir e que, se nada for feito, os nossos netos virão herdar.


Trump parece ter conseguido a primeira vitória, embora com muitas ressalvas em relação às diferenças culturais e ideológicas, a reforma fiscal que Donald Trump conseguiu no Senado remete para o princípio básico do neoliberalismo que nos EUA foi promovida por Ronald Regan e no Reino Unido com Thatcher no início da década de 1980 - uma variação da chamada “trickle down economics”, que defende que os benefícios concedidos aos mais ricos acabam por beneficiar também os mais pobres que pode ver também aqui. Ao fim de dois mandatos, as políticas de Reagan tinham triplicado a dívida pública dos EUA, como pode confirmar aqui.


Não sou muito virado para o passado, nem para o futuro que desconhecemos e é incerto, embora em política possam fazer algumas previsões tendo em conta o presente. Partindo desta premissa algo nos diz que o futuro não augura nada de bom.


Aqui vai o artigo de opinião que pode consultar também no jornal Público.


OPINIÃO



TERESA DE SOUSA  Nota: Teresa de Sousa escreve conforme o anterior acordo ortográfico

Se os ricos ficarem cada vez mais ricos, alguma coisa há de sobrar para os outros


1. Hoje é um daqueles dias em que é difícil escolher um tema, mesmo que haja muitos, por cá e pelo mundo mas que dispersam a nossa atenção. Donald Trump conseguiu a sua primeira grande vitória no Congresso, desde que está na Casa Branca, com um novo código para os impostos que tem implicações profundas para os americanos. Regressa à velha doutrina da “trickle down economics”, que vem do tempo de Reagan e que se resume facilmente: se os de cima tiverem as condições para ganhar cada vez mais, alguma coisa há-de cair para os de baixo. Reagan praticou-a, com a sua revolução conservadora, mas noutras circunstâncias. Ignorou o défice, impossível de compensar com os cortes nas políticas sociais, mas conseguiu animar a economia americana. A sua grande tarefa, hoje desnecessária, foi a desregulação da economia, deixando a tarefa aos mercados.


Quando chegou à Casa Branca, George Bush (pai), que lhe chamava “economia vodou”, lamentou-se várias vezes de não ter dinheiro para financiar devidamente as forças democráticas que emergiam na Europa de Leste e a transição na União Soviética, liderada por Gorbatchov, por causa do défice que Reagan lhe deixara. Bill Clinton, que se fartou de denunciar, na sua primeira campanha, esta doutrina, como injusta e pouco eficiente, deixou um enorme excedente orçamental ao seu sucessor, aproveitando o crescimento económico, sem deixar de reformar o Estado social. Bush (filho) acabou rapidamente com ele, por causa das guerras que travou. Obama, que herdou uma crise próxima da Grande Depressão e que teve de injectar 700 mil milhões de dólares na economia para salvá-la do pior, também conseguiu reduzir o défice, quando a economia começou a dar sinais de vida, na altura da sua reeleição. Salvou a indústria automóvel. Regulou os mercados financeiros de forma a tentar prevenir uma nova debacle.


Com Trump voltamos ao passado. As enormes reduções fiscais dirigem-se aos empresários e aos ricos em geral; a classe média, já bem “espremida” pelos anos do neoliberalismo e da globalização, continuará mais ou menos na mesma. Os pobres ficarão pior porque são inevitáveis os cortes nos programas sociais. A parte dos republicanos que tradicionalmente não gosta do défice nem da dívida teria dificuldade em negar a Trump esta vitória solitária, depois de ter passado bastante tempo a recusar as iniciativas da Casa Branca, incluindo o Obamacare. O problema é que o Presidente americano, com a sua defesa do proteccionista, vai destruindo os acordos comerciais com os grandes e pequenos blocos económicos, correndo o risco de prejudicar as exportações americanas, mesmo que justifique os cortes drásticos nos impostos com a necessidade de aumentar a competitividade da economia.


Impostos EUA
2.Os americanos acabarão por conseguir, mais tarde ou mais cedo, dar a volta. Já o mesmo pode não acontecer com a sua política externa, capaz de destruir a ordem liberal que os EUA construíram, com um custo muito mais pesado para o mundo. Há uma nova dimensão da política externa americana que, muitas vezes, não valorizamos devidamente, que é a saída de cena de qualquer referência que se aproxime da defesa dos direitos humanos no mundo. Rex Tillerson avisou que eles não fariam parte da sua política. Trump não consegue ver a diferença entre a democracia americana e o regime de Putin, como ele próprio afirmou ainda durante a campanha. Este abandono acaba por contagiar as outras democracias, tornando o mundo num espectáculo cada vez mais penoso de ver. E não é só porque a China ocupa cada vez mais espaço deixado vazio pelo Ocidente, sendo que os direitos humanos não fazem parte do seu vocabulário. Putin soma e segue no seu apoio a qualquer torcionário que se lhe apresente.


A Europa, ainda a vencer a crise que a ia matando e a tratar das reformas que lhe podem garantir um futuro num mundo cada vez mais adverso, também anda bastante distraída. Há 15 dias, a CNN foi à Líbia e filmou (com câmaras escondidas) os novos mercados de escravos (não é exagero de linguagem) que funcionam a céu aberto, atirando os imigrantes e os refugiados para uma condição sub-humana vergonhosa e intolerável. Os europeus, incluindo a imprensa, só começaram agora a reagir. Foi apenas há três dias que Jean-Claude Juncker falou no assunto para prometer resolvê-lo. Não se vê como. Foram os europeus, e bem, que ajudaram a derrubar Kadhafi, perante a iminência de um massacre em preparação. Hoje, a sua obsessão passou a ser estancar a torrente dos que atravessam o Mediterrâneo em direcção à Europa. A solução que preferem é mantê-los longe da vista, na Líbia e noutros países de passagem, e avaliar aí a sua condição. Ninguém diz que as respostas sejam fáceis, mas o mínimo que lhes cabe fazer é garantir a sua segurança e a sua dignidade.


Na Síria foi o que foi. No Yemen, “ a guerra que o mundo ignora” à qual a Economist dá esta semana a capa, a mortandade é insuportável. De um modo geral, a indiferença prevalece. Tem de haver uma solução equilibrada, que não é, certamente, ceder à extrema-direita para não perder votos. Qualquer reforma da política externa não pode abdicar desta dimensão da sua relação com o mundo, que é inerente aos seus valores e que faz parte integral do combate ao nacionalismo que mina as suas democracias. Na semana passada, também não demos grande importância à chamada cimeira dos “16 mais 1” (lançada em 2012), reunindo a China com os países da Europa de Leste e dos Balcãs, muitos deles membros da União Europeia, para captar investimento que Pequim tem a rodos e sem qualquer exigência moral. A deriva dos países de Leste para soluções nacionalistas parece alastrar-se ao domínio das relações externas, com “aliados” (Putin e Xi) que sonham em dividir a Europa ou aumentar a sua influência política. Se a Europa, às vezes, andou distraída com os seus problemas, isso não explica a sua deriva autoritária nem justifica qualquer reivindicação.


3.Se regressarmos por um momento à pátria, a eleição de Mário Centeno para a presidência do Eurogrupo (deve ser confirmada amanhã) é uma daquelas coisas sobre as quais não há forma de enganar. Deixo o significado político interno para melhor altura, enquanto o bota-baixismo dá largas à sua imaginação. O que Centeno tem de fazer, já o explicou Sérgio Aníbal no PÚBLICO de sábado, num texto que convém ler. Limito-me ao que significa do ponto de vista da Europa. Em Berlim, pode querer dizer uma nova preocupação em sarar as feridas abertas pela crise da dívida e do euro, que deixaram uma divisão profunda entre o Norte e o Sul, por vezes com laivos de xenofobia. Como António Vitorino costumava dizer numa simples frase, a Europa não sobreviverá a uma realidade em que haja “perdedores” e “ganhadores”, sobretudo se forem sempre os mesmos. É por isso que tanto se insiste na necessidade de completar a reforma da União Económica e Monetária. Merkel tem tido a grande vantagem de aprender depressa as lições que a realidade lhe apresenta, reconhecendo o mérito do actual Governo, recebido na Europa há dois anos com duas pedras na mão. Wolfgang Schäuble já tinha feito o mesmo em relação a Mário Centeno. Como dizia António Guterres, o que é preciso é que as nossas propostas consigam ser boas para nós e boas para a Europa. O resto fez António Costa, com o seu “europeísmo pragmático”, como me dizia um embaixador europeu em Lisboa. Abriu portas e criou pontes que pareciam intransponíveis. A primeira das quais foi perceber que Merkel também tem razões para o que faz e que ganhar a sua confiança era a coisa mais importante. Basta ler o seu discurso de Bruges.


4.Não tenho nada a acrescentar aos textos dos meus colegas sobre o que o jornal deve a Belmiro de Azevedo. Tenho a sorte imensa de ter cinco netos que mudaram completamente a minha forma de olhar a vida. Escutar uma das suas netas dizer-lhe que não se preocupasse, que os netos tratariam da avó e dos pais, foi a coisa mais bela da cerimónia de despedida. Afinal Belmiro não foi apenas um grande empresário.

Um texto do Prof Galopim de Carvalho

Com todo o respeito resolvi colocar neste blog um texto da autoria do Prof. António Galopim de Carvalho que o próprio colocou hoje no Facebook e que subscrevo na íntegra.


Espero que ele não se importe de o divulgar aqui, por isso aqui vai a trancrição na íntegra.


DESILUDA-SE A DIREITA, ESTE GOVERNO ESTÁ PARA DURAR


Já vai algum tempo que não me meto na política nacional. Sempre que o faço, sujeito-me a comentários discordantes dos dois lados do leque partidário , o que é respeitável e bom, revelador de uma liberdade, apreciada, sobretudo, pela minha geração, que sentiu na carne a falta dela. Devo dizer que, pura e simplesmente, bloqueei os autores dos comentários desrespeitadores da boa educação. Eis, pois, o que hoje me ocorre dizer sobre a situação política nacional., depois de uma madrugada a preparar os textos que coloquei nesta minha página do FB. “Como nos aviões que, ao ganharem altitude, atravessam a espessa cobertura de nuvens e atingem o esplendor do céu e da luz, acabámos de sair desta escuridão em que, com excepção de uns tantos privilegiados, fomos levados a viver.” Escrevi, em finais de 2015, quando, caiu o governo de Passos Coelho, conduzido sem qualquer sensibilidade social, em submissão a uma União Europeia cada vez mais afastada dos princípios que a fundaram, e sob a conivência do então mais alto magistrado da Nação. Escrevi, ainda “tenho esperança que o governo agora presidido por António Costa vingue e desminta os maus presságios que uns, hábil e interesseiramente, e outros, convicta, alienada e ingenuamente, anunciam". Respirámos de alívio com o fim de uma governação de má memória que conduziu os nossos destinos entre 2011 e 2015, nos asfixiou e empobreceu, destruindo muitas das nossas valências económicas, a par de escândalos de corrupção descarada e impune e do aumento do número e da riqueza dos ricos. De então para cá assistimos ao ressurgimento da economia e à redução do flagelo de desemprego e ao estancar da emigração de uma juventude que a democratização do ensino qualificou a níveis nunca antes conseguidos. Alienados pela máquina do poder e ainda marcados por receios antigos, foram muitos os portugueses que não ousaram questionar um governo que lhes mentiu, os desprezou e maltratou. Porém, os legítimos representantes da maioria dos portugueses puseram fim a um pesadelo de quatro longos anos. Vitoriosa nas urnas mas sem maioria para governar, esta direita viu o seu programa reprovado no Parlamento, António Costa e os partidos à sua esquerda que, não obstante as grandes e respeitáveis divergências ideológicas, continuam a dar-lhe o inteligente e sábio apoio, têm sabido manter compostura democrática face aos ataques soezes que não cessaram de lhe serem dirigidos. O PS, o PCP, o BE e o PEV sabem bem que a direita não perdoa e que, ajudada pelas forças que bem conhecemos cá dentro e lá fora, têm tentado e vão continuar a tentar o possível e o impossível para derrubar o governo e minar os entendimentos conseguidos. Foi, por exemplo, no ano passado, a onda amarela, por ocasião do anúncio dos cortes de financiamento aos colégios privados, Foi, este ano, a vergonhosa, consertada e descarada oposição ao governo e ao primeiro ministro face ao drama e à tragédia dos fogos florestais, cujo número, intensidade e extensão permitiram, a muitos, suspeitarem terem sido o resultado de uma acção organizada. Foi o “roubo” de material de guerra em Tancos e o imediato aproveitamento político por parte da oposição. Foram as análises e recomendações (as “palavras duras”, como alguns se lhes referiram) do Presidente da República, quanto a mim necessárias e certeiros, que a direita aproveitou, procurando fazer dele um aliado, na luta política que a democracia, felizmente, consente. Mas enganou-se. Marcelo tem outros objectivos que não são difíceis de adivinhar e que eu, quase diria, outras certezas. Foi o caso da Legionella pneumophila e das mesmas vozes que logo se fizeram ouvir. Só falta acusarem o ministro Luis Capoulas Santos pela seca extrema que está a afectar gravemente a nossas agricultura e pecuária, e a Ministra Ana Paula Vitorino, pelo mau estado do barco que naufragou ao largo da Figueira da Foz, causando a morte de quatro malogrados pescadores. Todos sabemos que os tempos que se avizinham continuarão a ser difíceis mas, comprovadamente melhores do que os vividos entre 2011 e 2015. Não queremos voltar para trás. Estamos a viver com menos dificuldades e esperança de melhores dias, com um governo que nos respeita e nos tem vindo a restituir a dignidade.

As lições de Ressabiado Silva

O nome próprio “Ressabiado” não existe, é ficcionado. Tal nome próprio nunca terá sido posto a ninguém, a não ser como alcunha. Já viram com...