Na população mais do que o medo é a desconfiança e a incerteza que só lentamente se irão gradualmente dissipando.
A jornalista Ana Sá Lopes Diretora Adjunta do jornal Público escreve no Editorial do dia 17 de maio que o “medo que não toldou o enorme grupo de portugueses que manteve o país a funcionar normalmente enquanto a outra parte se confinava, vai ser assassino para a economia”, devido “ao medo paralisante”.
Ao ler o artigo não posse deixar de concordar com os argumentos aduzidos, porém, apenas sustenta o sentimento de medo como principal força que leva a que muitos portugueses se deparem com reservas quanto ao desconfinamento.
Os números e os indicadores que têm saído nos últimos dias são animadores, mas ainda têm de ser lido com algum cuidado. Por outro lado, o regresso rápido pela população a um “novo normal” da vida quotidiana ainda traz algumas dúvidas quanto às boas práticas aplicadas pelas empresas que poderão, à medida que o regresso da clientela se for estabilizando ao longo do tempo, descuidar as regras de higiene que se pressupõem obrigatórias.
Para além do “medo paralisante” Ana Sá Lopes não refere, outras causas que poderão estar a dificultar a transição para a “nova normalidade” para fazer funcionar a economia e restabelecer a confiança das pessoas o que poderá levar algum tempo para que o medo se vá esbatendo.
Os portugueses não são medrosos, estão a ser precavidos e acatam na sua maioria as recomendações que diariamente lhes entrava pelos ouvidos via televisão, e ainda bem que assim é. A economia começou a derrocar, é um facto e como Ana Sá Lopes afirma “fazer compras é neste momento um desígnio nacional”, e interroga: “como o fazer se os portugueses se mantêm em modo pânico, com todos os que podem a resistir a sair dos seus casulos particulares?” e acrescenta que “Agora sabemos confinar-nos; ainda não sabemos que podemos viver normalmente.”
Também noutra altura João Miguel Tavares no mesmo diário tinha escrito, em 9 de abril, um artigo de opinião cujo título vem a agora a propósito, “Meter as pessoas dentro de casa foi fácil. E tirá-las?”.
A reanimação do comércio local não depende apenas de um “monstro que revela ser de mais difícil combate do que a covid-19” que é o medo. O consumo que contraiu de forma avassaladora em todos as atividades com exceção dos artigos de primeira necessidade como a alimentação.
Para além do medo podem ser avançadas outras explicações ainda mais fortes se atentarmos nos problemas que a covid-19 nos impôs com a consequência do confinamento obrigatório e com o estado de emergência.
Podemos avançar algumas com base na observação diária de factos e nas vastas opiniões publicadas. Comecemos pelos mais idosos referindo-me aos que se encontram na reforma e cuja mobilidade e vontade anímica os levam a sair e a consumir, não apenas nas idas aos supermercados para suprirem bens de primeira necessidade, mas também noutros produtos para as suas casas, para ofertas e na substituição de peças de vestuário que, agora, com o regresso do tempo quente se torna necessário. Para retração desta vasta camada da população a comunicação social que contribuiu para lançar o pânico incidindo diariamente sobre o perigo a que estariam sujeitos se fossem contaminados, sobre as mortes que os atingiam pela sua vulnerabilidade, aos jovens que por eles poderiam ser contaminados e os velhos poderiam contaminar os jovens, as peças, às vezes chocantes, que passavam dias seguidos nos noticiários televisivos e na imprensa. Não havia que esconder a verdade, mas as insistências e os comentários à margem levaram ao levantamento de guardas defensivas.
Segue-se a perda da capacidade financeira de quem, devido ao lay off simplificado, deixou de receber parte do seu salário com a consequente necessidade da contenção de despesas.
Outra explicação poderá ser a perda de emprego e mesmo a quebra de rendimentos dos próprios empresários que, devido à falta de clientes, puseram em causa a sua viabilidade e outras que já se encontravam nesta situação que enviaram para o fundo de desemprego. Acrescente-se os trabalhadores que, devido à incerteza quanto a novo emprego, se viram compelidos a mitigar em termos reais o seu poder de compra acrescido de consequências psicológicas de outros.
A insegurança quanto ao que o futuro próximo lhes possa reservar poderá determinar muitas famílias a evitar despesas que não sejam absolutamente necessárias. A saída para férias que não se fará é também um outro fator de retração ao consumo com prejuízos para o turismo interno pela desconfiança em relação aos alojamentos hoteleiros, pensões, casas alugadas à época e alojamentos locais quanto à eficácia e cumprimento da higienização.
Apesar da alteração das medidas excecionais para a continuidade da abertura mencionados no decreto-lei n.º 22/2020 publicado no Diário da República n.º 95-A/2020, Série I de sábado, dia 16 de maio, a abertura de fronteiras pode ser uma condicionante à confiança necessária nos alojamentos, mesmo que no decreto-lei se indique que as medidas vão estar em avaliação permanente, face ao calendário de desconfinamento e à retoma da atividade económica.
O Governo tem atuado por fazes, e bem, para estimular a economia mediante avaliação dos momentos. Na população mais do que o medo é a desconfiança e a incerteza que só lentamente se irão gradualmente dissipando.
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