Política

Barriguismo ou gula?

Alguns textos de opinião que por aí circulam na imprensa diária têm-se insurgido com quem se tem manifestado contra o oportunismo dos professores do ensino público mobilizados pela Fenprof e também de outros setores da função pública que reivindicam os mesmos direitos de reposição integral das carreiras congeladas com a respetivas retribuições remuneratórias, isto é, querem que lhes sejam pagos cerca de nove anos de remunerações devidas ao congelamento das carreiras.


Entre aqueles encontra-se Domingos Lopes ex-membro do Comité Central que abandonou o PCP após uma carta enviada à  direção datada de 7 de Setembro último, em que deixa violentas críticas ideológicas e políticas e também de atuação pessoal no partido e que, sobre o tema e que escreveu um artigo de opinião no jornal Público do último 25 de novembro.


O artigo padece de alguma confusão de factos causados pelo anterior governo e que o autor compara com as reivindicações dos professores da função pública. Comecemos ponto por ponto:




  1. Escreve Domingos Lopes que a base da ventania dos que atacam o resultado das negociações e dos que entendem que o Estado deve tratar a “função pública como sendo uma cambada que só pensa nos seus interesses barriguistas.” Eu encontro-me no grupo que assim pensa, exceto que os funcionários sejam uma cambada.

  2. Segundo o autor do artigo “este redemoinho implantou-se nos media e daí vai partindo como um pequeno tufão para se infiltrar na cabeça dos portugueses.” Neste caso concreto não são os media que contribuem para infiltrar seja o que for na cabeça dos portugueses porque estes pensam e percebem bem o que se passa. E tenho sido bastante crítico em relação à informação que os media produzem e divulgam, mas no caso assim não é.

  3. “No fundo, o que vai pelo ar das notícias é a ideia do profundo egoísmo dos professores para se aproveitarem do seu poder reivindicativo e por essa via imporem aos portugueses um aumento da despesa pública. Os professores e a função pública podem fazer perder tudo o que conseguiu nestes dois anos de governo de António Costa …” Mas é óbvio que sim, e, além disso, há milhares de portugueses que não pertencem à da função pública na qual incluo outros professores que não sendo do ensino público nada recebem e a quem também foram pedidos sacrifícios, apesar de também pagarem impostos. Os nossos impostos que alguns querem que uma parte seja canalizada apenas para um lado.

  4. Um dos argumentos demagógicos de Domingos Ramos é o de o vencimento dos professores em Portugal que é bem menor do que ganham os professores na UE. Este é um erro crasso de comparação já que não está a levar em conta o nível e o custo de vida dos cidadãos europeus a que Portugal, por enquanto, não poderá equiparar-se. Só não sabe isto quem nunca esteve no estrageiro onde uma classe média tem mais poder de compra e gasta mais numa semana do que se recebe em Portugal num mês.

  5. Outro argumento enganador é o de justificar a gritaria reivindicativa dos professores brandido argumentos contra o governo anterior que, diz, derretia “milhares de milhões para salvar a banca da ruína provocada pela gula sem limite de uns tantos banqueiros”, mas o Estado é despesista para “dar” dinheiro aos funcionários públicos. Não será por acaso também a gula de uns tantos professores sem limites? Uma coisa é a justeza, ou não, das reivindicações, outra, é o abuso.

  6. Alguém dizia num artigo de opinião que “São 600 milhões em 2018, outros 600 milhões em 2019, mais 600 milhões em 2020, e por aí fora. Ao fim de dez anos são seis mil milhões. Ao fim de 20, 12 mil milhões. E isto só para descongelar nove anos de carreira dos professores.” E isto se não contarmos com todos os outros trabalhadores da função pública que exigem o mesmo tratamento.

  7. Com certeza que Domingos Lopes sabe, como eis militante do PCP, que o partido a que pertenceu sempre foi a favor da nacionalização de tudo e por maioria de razão da banca. Todavia é a banca que, no regime capitalista em que vivemos no mundo real e que, quer se queira ou não, sustenta a economia. Está a misturar o que pertence ao mundo da economia e das finanças com reivindicações excessivas que podem ser ruinosas para o equilíbrio das contas públicas que, quer sejam ou não imposições de Bruxelas há que cumprir. Está, portanto, querer dar e baralhar de novo.

  8. Domingos Lopes está a mascarar uma evidência com outra que nada tem a ver com a primeira ao dizer que “a crise resultou do sistema financeiro, de banqueiros que fizeram seu e dos seus amigos aquilo que não lhes pertencia; deitaram a mão ao dinheiro dos portugueses para fazerem negociatas de todo o tipo”. Sim, é verdade, mas isso não invalida que reivindicações excessivas de uma dada classe de funcionários públicos queira agora exigir aquilo que não é possível dar e que pode também ser considerado uma espécie de roubo aos impostos que todos pagamos. Não se trata de saber se é ou não justo, trata-se de bom censo.

  9. É uma evidência que a crise foi financeira, outra evidência é que o negócio dos bancos é o crédito e, sabendo que a facilidade de o obter foi por eles promovida é também um facto. Contudo, ninguém obrigou ninguém a obter créditos, isso foi e é um ato voluntário, é uma responsabilidade pessoal de quem se endividou não tendo em conta a sua capacidade financeira arrombada, é certo, pelo anterior governo. Só compra quem quer, o problema é que isso deveria ser regulamentado e não o foi, o que levou muitos portugueses ao exagero. O argumento de que foi por causa dos tais “figurões” que “fizeram desaparecer milhões de euros” e de que foi por causa disso que os professores e a função pública viram os seus direitos congelados é, no mínimo, hilariante, porque, mais uma vez, e os outros? Vir agora reivindicar o que se perdeu desde há sete, nove e mais anos para além dos aumentos salariais já obtidos é absurdo. E, já agora, porque não repor atualizações de salários com juros e atualização de inflação desde o mesmo período de tempo? Ironia!

  10. Por causa desses milhares de milhões de euros que fizeram desaparecer é que os professores e a função pública viram os seus direitos congelados. Claro que não foram os professores, nem os funcionários públicos que criaram a crise, assim como não foram quaisquer outros trabalhadores nem pensionistas, nem pequenos e médios empresários, todos eles também foram vítimas da crise. É questão para perguntar: então e estes todos que também foram vítimas da crise o que podem reclamar?

  11. A Fenprof não é mais do que um lobby que funciona com objetivos barriguistas e oportunisticamente partidários, apesar de Domingos Lopes pretender afirmar o contrário.

  12. Termino com uma frase que tenho colocado em “posts” anteriores: podem dizer que esta não é mais do que conversa de direita reacionária. Eu respondo: chamem-lhe o que quiserem!

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