Política

Procura-se troika, dão-se alvíssaras a quem a encontrar

Quem se dedicar a estabelecer comparações entre a governação no tempo da troika e a atual no que se refere a notícias, opiniões, comentários e outros escritos jornalísticos sobre as diversas áreas do país encontrará de certo diferenças que vão desde a saúde à educação, da proteção civil (e os incêndios) à segurança e o assalto a Tancos, da falta de investimento público à progressão nas carreiras na função pública, das reivindicações salariais à inserção imediata dos precários nos quadros, dos pedidos para tudo e mais nalguma coisa. Enfim, de norte a sul, dos hospitais às escolas, da justiça às funções de soberania aos incêndios verificará que há todo um manancial reivindicativo e de falhas atribuídas à governação, mesmo que não sejam das suas atribuições. Como nada é feito nem dada satisfação imediata às reivindicações que surgem dos mais diversos setores Sónia Sapage, no artigo de opinião do jornal Público, vem dizer que tudo está como se o país tivesse "a troika cá dentro". Está no exercício do seu direito de livre expressão de pensamento.


No artigo de opinião a jornalista percorre o caminho da crítica à governação e esquece (ou será que omite?) tudo o que a atual governação tem feito e centra-se exclusivamente sobre o que continua por fazer ou que, eventualmente, corre mal. Recorre então à grande tirada de Passos Coelho e à sua propaganda da "saída limpa" do chamado Programa de Assistência Económica e Financeira, afirmando que "há quase quatro anos (mais do que aqueles que durou o ajustamento)" e Sónia Sapage acrescenta que "ainda há muita troika por aí".


Apesar de sabermos que há, com certeza, falhas e atrasos na tomada de medidas, também não é difícil deduzir que, quem assim argumenta tem uma posição passadista que gostaria de ver continuada e que, por certo, se estivéssemos ainda nesse passado omitiria para os mesmos casos o que agora critica. Acredito que não é o caso de Sónia, mas há, na verdade, um certo jornalismo do tipo sick news, jornalismo doentiamente e dissimuladamente partidarizado que ajuda a avivar a "pequena" chama da oposição através de casos e casinhos tirados daqui e dali. Façamos neste caso justiça, muito do que a Sónia refere, infelizmente, não pertencem a este rol. Um artigo de opinião sobre política é formatado de acordo com os pontos de vista do seu autor(a) e por isso pertence, quase sempre, ao leque da subjetividade e da parcialidade.


Há muita coisa para fazer e para corrigir cuja maior parte ainda é herança do tal governo da saída limpa que foi demonstrada pelo estado em que deixou o país com o Banif, a CGD, os lesados do BES, a justiça, o SNS e o que mais fora. A oposição de direita quer fazer-nos crer que está a ser destruído pelo atual governo quando foi ela, de facto, o motor de arranque da destruição de tudo ou quase tudo quando esteve no poder justificado durante mais de quatro anos pelo "ir para além da troika". E o que fizeram os partidos PSD e CDS que então estavam no governo que merecesse relevância positiva para o país e para as pessoas após a dita saída limpa? Alguém se recorda?


Certo jornalismo pretende, conscientemente, induzir o esquecimento do passado da governação de direita de modo a transferir para o atual governo as mazelas deixadas em vários setores da sociedade que agora querem que sejam resolvidas em pouco mais de dois anos. Foram vários setores de funcionamento do Estado afetados por cortes, como as polícias e a consequente segurança, a justiça com encerramento indiscriminado de tribunais, os quartéis, as forças armadas, os hospitais e os centros de saúde com redução dos efetivos, quer de médicos, quer de enfermeiros com o cancelamento de novas admissões, e a educação prejudicada pela não admissão de profissionais de apoio às escolas, e o bloqueio do investimento público, etc., etc. fecho de serviços públicos com o pretexto do emagrecimento do Estado e da luta contra o despesismo.


O que vemos hoje são críticas lançadas para a opinião pública sobre a lentidão e o retardar de medidas nos referidos setores, greves reivindicativas para reposição de direitos, dos salários e das pensões, descongelamento das progressões nas carreiras com retroativos de imediato. Muitas daquelas medidas lesivas foram levadas a efeito pelo anterior governo, umas tomadas por necessidades conjunturais e transitórias que se tornariam definitivas, outras, justificadas pela necessidade de reformas estruturais ditadas pela troika, diziam. Não vimos nessa altura os que agora defendem o aumento da despesa e que se dê resposta imediata a tudo e a todas as necessidades que ainda são muitas.


Olha-se para tudo o que falta fazer e que em tempo não se fez e pretende-se que sejam de imediato satisfeitas todas as exigências. Já não interessa que venha aí o diabo e aumente a e faça disparar a despesa do Estado e que faça novamente aumentar o défice para haver argumentos baseados no "nós bem avisámos".


A oposição de direita argumenta que esta fase de crescimento da economia não se manterá para sempre e que estamos a negligenciar um possível futuro de menor crescimento da economia. Sem dúvida que todos concordamos com esta posição, todavia a direita tem de nos dizer em que ficamos. Se, por um lado, diz que não há investimento público, quando o negligenciou, que reclama sobre a falta de pessoal e a falta de qualidade de serviços públicos, que ela limitou, e exige que tudo seja cumprido de imediato, mostra esquecer-se de que sol na eira e chuva no nabal (que tanta falta nos tem feito) é que não é possível.


A direita poderá reivindicar que salvou o país da dita banca rota e que fez uma saída limpa do programa de ajustamento. Mas, se continuasse a governar, teria de facto livrado o país da troika ou teria agravado a situação com soluções e medidas que eram uma espécie de clones da troika e que iriam ainda mais além.


Há muita troika por aí, diz Sónia Sapage, contudo, podemos perguntar-lhe o que considera que a direita teria feito se estivesse no poder? Poderá ser uma resposta de retórica, mas, mesmo assim gostaríamos de saber.

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