Este artigo de opinião irá provocar indignação a muitos por penarem que sou contra as artes e a cultura no seu todo. Podem pensar o que quiserem, mas é o meu ponto de vista distanciado, fora da emoção e de preconceitos que me é dado pela informação recolhida na comunicação social.
Após anos de estagnação da Cultura pelos anteriores governos a consolidação das entidades culturais era necessária a alteração aos modelos de apoio de forma sustentada. Neste contexto, não discuto o modelo de apoio às artes. Não discuto os apoios à cultura. Não discuto o prestígio das artes. Não discuto os subsídios aos grupos de teatro sejam bons, medíocres ou maus. Não discuto o valor das artes na cultura nacional. Não discuto as razões que movem as artes e os artistas (todos) para obterem apoios. Discuto que possa haver distribuição indiscriminada de subsídios à cultura. Se estas afirmações lhes parecem saídas de um discurso salazarista acertou, elas foram de facto nele inspiradas. Utilizo propositadamente o termo subsídio que alguns acham ser ofensivo e humilhante, mas que, afinal, são dinheiros públicos, contributos do Estado para apoiar as artes, saídos dos nossos impostos.
"Quando ouço falar de Cultura saco logo a pistola" é a frase que é atribuída a Goebbels, ministro da propaganda nazi, mas, ao que consta e, ao contrário do que muitos pensam, pertence a uma peça teatral. A célebre frase que foi proferida é "Sempre que me vêm falar de Cultura... retiro a patilha de segurança da minha pistola Browning" e consta da peça de teatro ‘Schlageter’, escrita pelo nazi Hanns Johst.
A peça Schlageter de Hanns Johst é geralmente considerada como a peça bem-sucedida do teatro nazista, está em conformidade com os objetivos do Terceiro Reich e foi uma peça que alcançou relevo devido à sua manipulação inteligente das emoções do seu público. O termo “pistola” pode ser lido como uma metáfora de todos os instrumentos e mecanismos que derrubam a cultura.
Estou contra as artes? Não! Não estou! Estou é contra as manifestações de descontentamento, indignação, protestos, reivindicações pelas estruturas de criação artística como reação aos resultados dos concursos de apoios sustentados às artes (teatro, música, dança, artes circenses e de rua, artes visuais e cruzamentos disciplinares) para os anos 2018-2021, que vão no sentido de pressionar o poder para a obtenção de verbas cada vez maiores.
São muitos os pedidos e os recursos são escassos. Quando os recursos financeiros são escassos há que ter a habilidade suficiente para fazer a distribuição em função de prioridades e de necessidades. Alguns argumentam que, de entre os países da UE, Portugal é o que terá a menor percentagem destinada às artes, menos de 1 %. Não me recordo de ter visto nos anos do anterior governo, a não ser dois casos pontuais, tanta indignação por parte dos vários representantes culturais. Pois é, os recursos dos países que apresentam como exemplos são diferentes dos nossos. Portugal ainda está a pagar o que se pedimos à troika a que acresce o facto de que há muito pouco tempo saímos duma crise financeira e o oxigénio necessário para a respiração está a libertar-se aos poucos. Estragar o que está a ser feito é um aventureirismo que a direita poderá no futuro aproveitar para voltarmos atrás.
Falando de espetáculos, porque será que, concertos de música pop e rock, apesar de preços caríssimos, esgotam e espetáculos de qualidade estão por vezes a menos de meia casa? Porque será ainda que outros espetáculos que, não recebendo verbas estatais, têm casas cheias. Não consigo dar resposta a tais e a outras questões que poderão ser colocadas. Talvez seja a altura de, antes de pedir mais dinheiro, fazer um diagnóstico das causas da crise na cultura e nas artes. A arte apenas para as elites sobranceiras e intelectuais talvez não seja solução porque as necessidades básicas como alimentação, educação, saúde e habitação, para a maior parte das famílias que vivem apenas dos seus salários neste nosso país, sobrepõem-se à própria cultura e estão primeiro do que as artes. Ou não será? As artes são ao alimento para o espírito, mas se falha o do corpo nada adianta.
Com a globalização que nos envolve inexoravelmente as artes tais como teatro, dança, música, cinema, literatura, pintura, artes circenses e muitas outras das suas manifestações, estão agora a impor-se outras como a moda, a publicidade, o turismo, o urbanismo, etc.. Nada escapa ao domínio da cultura. Surgiram as chamadas indústrias culturais e muitas outras que, não conseguindo sobreviver com os recursos que geram encostam-se ao bolo do orçamento, há que, portanto, saber premiar os setores de atividade cultural que manifestem ser socialmente mais abrangentes e de inegável qualidade e que prestigiem Portugal.
A cultura que caracteriza o nosso tempo já não é a que herdámos do passado, ela será definida pelo fim da separação entre cultura e economia que irá, cada vez mais, ser absorvida pelo domínio mercantil deixando de ser considerada como o pequeno mundo das artes e das letras a que se chama alta cultura. Caminharemos, infelizmente para a padronização da cultura.
As tecnologias da comunicação irão terminar com o vanguardismo artístico possibilitando o aparecimento de uma cultura que não é produzida para uma classe social intelectual elitista, mas para todos, sem fronteiras nem classes. As vanguardas artísticas de interpretação destinada apenas a alguns eleitos irão ficar no oposto da cultura de massas, mais social e com a maior acessibilidade possível destinada a distrair o maior número de pessoas, sem a exigência de uma referência cultural erudita, permitindo divertir e dar prazer. É a arte para consumo comercial, mas também com singularidade. O que hoje se verifica é que um filme afasta outro, uma vedeta toma o lugar de outra, um disco substitui o anterior. É tudo uma questão de competição que, por vezes, troca a qualidade pela mediocridade. Neste mundo os subsídios do Estado serão residuais e apenas dirigidos aos tais vanguardismos que ninguém tem interesse em consumir, a não ser algumas elites intelectuais.
Não tenho quaisquer dúvidas sobre a importância da cultura (inclusivamente a política) em qualquer sociedade. Nos países de socialismo revolucionários a artes eram subsidiadas para a produção de obras de vanguarda que elogiassem as revoluções populares e o culto da personalidade dos líderes. Eram as artes por encomenda.
Para a direita as artes como uma parte da cultura, ao lado da ciência e da tecnologia, são algo que normalmente se afasta das suas prioridades governativas. Por outro lado, é sabido que grande parte do eleitorado ligado às artes está tendencialmente mais à esquerda do PS e, como tal, reagem como forma de pressão.
A direita neoliberal nunca deu muita importância às artes e o seu ponto de vista é que devem ser autossustentadas e apoiadas através do mecenato. Até o ex-secretário de Estado Barreto Xavier (PSD) que nada fez na altura pela Cultura escreveu um artigo de opinião contra o modelo agora implementado assim como outros ex-responsáveis políticos pelo pelouro da cultura. Vendo o furo eleitoralista a direita, nomeadamente o CDS de Assunção Cristas, quer também ser voz participativa nas reivindicações sobre o modelo e o orçamento para cultura e diz que “a cultura não pode ser uma área onde a direita está proibida de entrar”, o que causa espanto é que, quando o seu partido fez parte do poder o silêncio no que respeita à cultura e às artes foi ensurdecedor. Na altura acabar com o ministério da Cultura foi uma das primeiras e mais polémicas decisões do atual governo. Na sequência de uma política de fusão de ministérios operada pelo executivo da altura. A Cultura foi despromovida a secretaria de Estado, tutelada por Francisco José Viegas. A medida visava poupar ao Estado 2,6 milhões de euros, consequência direta da redução de 31% nas estruturas orgânicas, de 36% no número de dirigentes superiores e intermédios, e de 28% nos custos dos cargos dirigentes. Podem recordar aqui.
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