Política

Estratégias e caminhos diferentes, o mesmo objetivo?

Antes de mais quero deixar bem claro que o meu respeito pela profissão de médico e de enfermeiro é imenso e, até ao momento, não tenho tido quaisquer razões de queixa sobre o serviço que esses profissionais prestam e que utilizo quando necessário. O que não posso é deixar de dizer o que penso, apesar da qualidade e importância do serviço que prestam, sobre atitudes e comportamentos da classe profissional movida por sindicalistas radicais.


A “greve cirúrgica”, assim autointitulada pelos Sindicatos dos Enfermeiros, pode levar-nos a desconfiar de todo o processo, a começar pelos donativos entrados através de uma plataforma de crowdfunding onde alguns participam anonimamente com dinheiro com a finalidade de prolongar uma greve que, do meu ponto de vista, é injusta e que já ultrapassa os limites. Se há profissões nas quais os profissionais arriscam a própria vida há outros que arriscam colocar a vide de terceiros em risco, e parece ser o caso dos enfermeiros, apenas e por uma questão umbilical e corporativista.


O Governo já conseguiu chegar a acordo no que respeita à criação de uma carreira com três categorias, incluindo a de enfermeiro especialista. O mesmo não aconteceu quanto ao aumento do salário base (atualmente de 1.200 euros brutos para 1.600 em início de carreira) e quanto à antecipação da idade da reforma. Como se pode constatar é tudo uma questão de mais dinheiro. Sindicatos mais ou menos de direita e os mais ou menos ligados ao extremismo da CGTP-IN, como o SEP, pretendem sempre o mesmo: mais dinheiro. E reclamam eles por respeito. Mas de que respeito falam? Será que o respeito passou a ser uma palavra de ordem quando não há cedências nas reivindicações para obterem cada vez mais salário para algumas privilegiadas categorias profissionais no serviço público? E o respeito pelo seu semelhante cuja saúde pode estar em risco devido a esta espécie de selvajaria grevista.


Nos casos das greves em curso, e noutras que virão a que a direita tem chamado contestação social parece haver uma orientação comum entre a direita e a extrema esquerda fora do Parlamento em relação aos ataques e oposição ao Governo. As alianças partidárias para desgastar o Governo não se fazem apenas dentro do espaço da Assembleia da República, fazem-se também e, sobretudo, nas ruas e nas reivindicações iniciadas por uns e apoiadas por outros consoante os interesses. E o interesse de ambos é reduzir o mais possível a margem de intenções de voto no partido do governo.


Sindicatos e ordens profissionais, e refiro-me aos dos enfermeiros, combinam-se em posições corporativistas. Quanto aos sindicatos já sabemos que a sua única atividade é proporcionar greves e mais greves acenando aos trabalhadores com cenouras de aumentos salariais, algumas incomportáveis, como as dos enfermeiros e também já agora como é o caso dos professores. Algumas ordens passaram com o seu discurso a fazer o papel de sindicatos e, em alguns casos até, transformaram-se numa espécie de porta-vozes de partidos da direita a fazer oposição. O senhor Bastonário da Ordem dos Médicos, dentro das suas competências, lá vai fazendo nas suas intervenções televisivas críticas ao estado em que se encontram os serviços de saúde do SNS que são próximas das que a oposição faz ao Governo. Pretendendo mostrar preocupação vai dizendo que “os médicos estão preocupados com a Saúde dos portugueses e com o seu próprio futuro”. Eu penso que a maior preocupação é mais com o “seu próprio futuro”.


Greves que possam piorar ou que arrisquem a saúde da população são inadmissíveis, tanto mais quando as reivindicações salariais para aumentos de mais de 400 euros mensais em início de carreira fora os consequentes aumentos para os restantes que estão há mais tempo no quadro ao que acresce ainda um estatuto de carreiras, sabendo-se que a média salarial da maior parte da classe trabalhadora dos portuguesa é muito baixa. E então os médicos não teriam também o mesmo direito de fazer reivindicações idênticas às dos enfermeiros?


Não me venham cá falar de que a greve é um direito. Certamente que o é, dentro da justeza de reivindicações possíveis. Não pode ser é utilizada como arremesso de motivação de ordem política e até partidárias sob a capa de questões laborais e salariais impossíveis de satisfazer, enquanto milhares de outros trabalhadores se esforçam, por manter este país a funcionar com salários baixíssimos, há uma classe que via greve lhes restringe  o direito inalienável ao alívio do sofrimento físico e psicológico que outra classe de trabalhador lhes infringe para obtenção de mais dinheiro e regalias.


Quando o governo anterior passou para as 35 para as 40 horas de trabalho não vi nem ordens nem sindicatos de enfermeiros serem tão empenhados em fazer valer argumentos reivindicativos contrários e de forma tão violenta às medidas que, diziam, tanto os afetava.


Os enfermeiros são imprescindíveis num qualquer serviço de saúde e não ponho em causa a justeza reivindicativa e as suas razões, nem tão-pouco o direito à greve, ponho, isso sim, a oportunidade e a forma de coação utilizando os utentes mais necessitados como forma de pressão para o que pretendem obter.


Os políticos dos partidos mais à direita dizem que os enfermeiros têm razão nas suas reivindicações mesmo quando sabem que pretendem aumentos de luxo se comparados com outras profissões. Por outro lado, querem comparar-se aos médicos que afinal não são. Assunção Cristas, presidente do CDS-PP, referindo-se quinta feira à greve do enfermeiros limita-se a fazer críticas à ministra da Saúde que diz “tem demonstrado incapacidade para governar a sua pasta" e, quanto ao diferendo com os enfermeiros nada mais diz. É caso para lhe perguntar o que faria, ou diria, nas mesmas circunstâncias, se fosse ela que estivesse no governo? É caso para pensar se ela não estará a apoiar implicitamente a greve? Repito que é muito estranho o apoio financeiro de centenas de milhar de euros aos grevistas por pessoas e entidades anónimas!


Por seu lado Rui Rio, líder do PSD, é mais ponderado e pede a enfermeiros que "metam a mão na consciência, mas mantém-se num, nem sim, nem não. Dá uma no cravo outra na ferradura como se costuma dizer e pede aos enfermeiros “que haja equilíbrio, percebendo que o Estado não está em condições de poder dar tudo o que eles querem”. E adianta “mas, também peço ao Governo que perceba que, tendo os enfermeiros razão, alguma coisa tem de ser feita", afirmou Rui Rio ao mesmo tempo que diz não “simpatizar" com a forma como vai ser feita a greve e no, no entanto, compreender as reivindicações dos enfermeiros, que são "justas", razão pela qual não pode "atacar totalmente os enfermeiros" por estarem "sempre em greve". E termina, dizendo que “depois não conseguem "rigorosamente nada" daquilo que reivindicam”. A mesma pergunta que feita a Cristas pode ser feita também a Rui Rio.” Se o Estado não está em condições de poder dar tudo, então que tipo de negociação poder haver face à irredutibilidade dos enfermeiros?


Como já afirmei não é o direito à greve que ponho em causa, mas a estranheza pela sua virulência prolongada no tempo e pelo estranho financiamento dos que para ele colaboram. Não serão por certo os próprios que contribuem com o seu salário para, depois, receberem o seu retorno. No meu entender esta greve é lesiva para as pessoas indefesas que são utentes do SNS e está a sobrepor-se ao também direito básico dos cidadãos aos cuidados de saúde.


Como diz Amílcar Correia no editorial do jornal Público de hoje: “Os enfermeiros estão em greve porque reclamam o justo descongelamento de carreiras ou o aumento do salário-base, mas trata-se de uma greve particularmente injusta para doentes sem seguro de saúde, subsistema e, portanto, sem alternativa, e para a credibilidade do Serviço Nacional de Saúde. Os hospitais privados agradecem. Quanto maior for a lista de espera para uma cirurgia, mais elevado será o número de doentes que poderão ser operados nas unidades privadas ao abrigo das convenções com o Estado.”.


Ser médico ou enfermeiro não é uma profissão como outra qualquer, elas são profissões de missão nobre e honrosas e, como tal, deveriam são inerentes ao empenho numa atividade que deveria ser, por si mesma, a procura do bem-estar do próximo com remuneração justa, digna e equilibrada ao seu desempenho. A profissão de enfermeiro não pode ser escolhida porque aí se auferem bons salários e ótimas progressões na carreira. Quem opta por este tipo de profissões não pode pensar em subir na escala social pelos salários elevados que prenda auferir, ela é já, por si mesmo, considerada numa elevada escala de prestígio pessoal e social.


As razões que possam ter para fazer greve é discutível, já que haveria muitas outras profissões que teriam também razão para a fazer por direitos e mais salário, mas, como são do privado e não podem “sugar” o Estado sustentado pelos impostos que lhes são retirados mensalmente aos seus salários para, em parte, irem satisfazer reivindicações irrealistas. As palavras de ordem dos enfermeiros, e já agora também as dos professores, estes conduzidos por Mário Nogueira que os orienta nessas andanças, são: Justiça! Dignidade! Reconhecimento! Temos razão! Respeito! A isto acrescento, porque não se calam!


O caso dos professores, embora diferente, está numa espécie de “parceria grevista” com os enfermeiros e, como tal, irá dar ao mesmo visto o seu sindicato ser liderado por Mário Nogueira. Não admira que queira ser esteja instalada através dos meios sindicais dos professores uma espécie de pequena ditadura popular e popularista entre eles. Será que isto uma espécie de ditadura que querem impor ao país algumas profissões, até as mais bem remuneradas que dependem do Estado?


Aliás, até posso ironizar dizendo que, não me admiraria. Alguns sindicatos como a Fenprof, que pertencem à central sindical CGTP-IN, e são uma espécie de correia de transmissão do PCP. O que afirmo pode ser provado pela participação daquela central sindical numa sessão, claramente em apoio à ditadura de Nicolás Maduro na Venezuela que, segundo escreve o jornal Público, “Todos estavam ali para ouvir as mensagens de solidariedade dos representantes de organizações como o Conselho Português para a Paz e Cooperação, a Associação Amizade Portugal-Cuba, ou a CGTP-IN.”, como podem conferir aqui.


Nota final: A greve é lícita? “Aquando do primeiro período de greve, no final do ano passado, o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República considerou que é lícita a convocatória da greve dos enfermeiros, mas alertou que caso caiba a cada enfermeiro decidir o dia, hora e duração da greve, o protesto é "ilícito".

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