Hoje resolvi recuperar um artigo sobre o já desatualizado, mas sempre presente tema que, por mais que não se queira, é sempre, e infelizmente atualidade e que se vem agravando com o populismo de indivíduos que pertencem a uma casta de indivíduos, títeres de quem os financia, e a quem tudo serve para conseguir protagonismo.
Hoje resolvi recuperar um artigo do blogue Estátua de Sal e que foi publicado no Expresso sobre o tema que já não está na ordem do dia, mas está sempre presente e que, por mais que não se queira, é sempre, e infelizmente, atualidade. Situações destas vêm-se agravando com o populismo de indivíduos pertencentes a uma espécie de casta, títere de quem os financia, a quem tudo serve para conseguir protagonismo e obter dividendo políticos.
Assim, aqui vai o texto:
Racismo primário – pertencemos todos!
(Isabel Moreira, in Expresso Diário, 30/01/2020)
Este podia ser um texto jurídico. Um texto a explicar que a Constituição rejeita o racismo, que a República quer dizer alguma coisa, que somos mesmo todos e todas iguais perante a lei.
Esqueçam o Direito. Por um instante.
O que temos visto por estes dias por parte de André Ventura é o regresso à essência mais radical do racismo.
André Ventura usa das palavras – e as palavras têm muita força – para nos devolver ao horror da separação de identidades entre brancos e não brancos. Quem diz identidades diz pertenças. O não branco não pertence, o branco pertence. Daí que lhe saia sem pudor a proposta de deportar a Deputada portuguesa Joacine Katar Moreira, uma não branca que ele faz por identificar como estrangeira, ela que vá para a “terra dela”, eis o apelo aos instintos primários do racismo.
Não consegue o racista André Ventura dizer de mim o mesmo, não consegue sugerir que eu vá para o Brasil, onde nasci, porque não surte efeito. No lodo racista ninguém ousa não identificar-me como portuguesa de origem, natural de gema da terra lusa, enquanto que a pele negra tresanda a estrangeiro.
O regresso de André Ventura à essência do racismo faz dos corpos fronteiras, lugares, este e aquele corpo são ou não daqui consoante a pigmentação, não há cá cidadania no seu discurso fora da lei.
Evidentemente esta jogada monstruosa conta com o racismo presente na sociedade, racismo tão evidente que quando se fala nele salta a indignação em vez de saltar a reflexão.
Portugal é dos poucos países que conheço onde o racismo não é unanimemente reconhecido como um problema sério, estrutural, sendo antes visto como uma “causa” de alguns ativistas que vieram atrapalhar a calma lusa.
Assim sendo, neste caldo, André Ventura avança e adianta que se Joacine Katar Moreira pensa o que pensa é caso para perguntar porque não se vai embora.
La está. Mais uma vez faz de uma deputada portuguesa uma visitante. E faz do racismo um problema das pessoas racializadas. Como se não devesse ser um desconforto ético e moral para qualquer pessoa a existência de racismo, de sexismo, de homofobia ou de qualquer tipo de fenómeno discriminatório, independentemente de se pertencer a uma categoria discriminada. Seria caso para eu fugir do mundo, sendo mulher, por causa do sexismo? Não, mas a resposta é a mesma em relação ao racismo não sendo eu uma pessoa racializada.
A pergunta de Ventura é estúpida mas carregada de intenção. A intenção é a de sempre: gerar divisão, ódio, para crescer nessa onda.
Não é preciso explicar que não se concorda com a proposta x ou y de Joacine Katar Moreira para depois se dizer que estes dias foram alucinantes. As propostas devem ser debatidas com argumentos racionais, em sede própria.
O que não podemos admitir, o que deve merecer a nossa luta feroz, a luta de todas e de todos os democratas, é o racismo primário de Ventura, um cobarde cheio de vergonhas.
Pertencemos todos.
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