Em Portugal sempre existiu populismo, embora contido, nos
vários partidos, sobretudo em tempo de campanha eleitoral. Nessa altura regressam
à tona partidos mais radicais que, não
tendo programa exequível, tentam demonstrar contradições dos sistema e procuram
a distinção entre dois grupos antagónicos: um, virtuoso e maioritário, o povo,
que todos exaltam e outros que o dizem defender procurando ganhar vantagens com
o apelo a reivindicações ou preconceitos amplamente disseminados entre a
população nomeadamente através das redes sociais.
Nessas alturas os dirigentes partidários apelam às emoções,
o que é legítimo, porque a política também é feita de emoções, todos os
políticos tentam utilizar uma linguagem emocional e tentam apresentar propostas
que agradem aos eleitores.
Por outro lado, o desinteresse pela política por parte dos
cidadãos, porque acham que a discussão política é para meia dúzia de iluminados
dos partidos que lutam entre si para chegar ao poder, é um outro fator
explicativo.
Quais as implicações de aceitar de forma cega tudo o que se
diz e escreve nos órgãos de comunicação clássicos e, sobretudo, nas redes
sociais e quais as consequências dessa aceitação devido ao desvario das
populações que o reproduzem acriticamente de forma viral?
Governantes de países passaram a utilizar a tecnologia das
redes sociais para comunicar com as pessoas e que por serem governantes o que
eles dizem são aceites pelos seus apoiantes como verdades e opiniões a serem
aceites ou desmentidas transformando verdade em mentiras e mentiras em verdades.
Mentiras e informações falsas colocadas nas redes sociais até mesmo em conferências
de imprensa ditas por responsáveis máximos da política dos países são por
muitos tomadas como verdades, o caso do Presidente Trump nos EUA é um caso de
estudo.
Em Portugal passou a estar também na moda dirigentes
partidários e responsáveis do Governo comunicarem através das redes sociais. Os
partidos da extrema-direita são prolíferos na propagação do populismo e das
suas mais absurdas teses.
Após as eleições nos Açores o acordo com o Chega gerou polémica
que emergiu na comunicação social e nas redes sociais que deu, e ainda está a
dar, para todos os gostos. Numa primeira análise o PSD caiu, por vontade própria,
na armadilha de se apoiar num partido populista como o Chega dando-lhe o protagonismo
que até então lhe tinha faltado para além das caóticas intervenções de André
Ventura na AR. Não é por acaso que os populistas utilizam uma retórica para
chegar a segmentos da população que sentem que foram deixados para trás pelos
dois maiores partidos e que se deixam, devido á sua ignorância política, encantar
por discursos simplistas e chavões fáceis de fixar repetidos até à exaustão.
Como tem sido habitual ao longo de décadas as inovações e modas
em sentido lato, sejam elas boas ou más, chegam com anos de atraso. O mesmo
aconteceu com o populismo da extrema-direita que se pensava ser pouco ou nada
representativa na nossa sociedade e que Portugal estaria a salvo, muito embora soubéssemos
que andavam por aí acantoados em partidos de direita e do centro-direita considerados
democráticos e que fazem parte do denominado arco da governação.
Aliás, os partidos populistas e da extrema radical de direita
estiveram sempre presentes na maior parte dos países, especialmente na U.E.,
não se extinguiram após a derrota do nazismo e dos fascismos, apenas ficaram
adormecidos durante algumas décadas vindo a ressurgir.
O fenómeno do populismo associado ao próprio conceito não é
fácil de caracterizar embora vários especialistas já tenham proposto várias
definições. Na perspetiva do filósofo e historiador britânico de Isaiah Berlin não
há apenas um populismo, há versões do mesmo “consoante a mudança histórica que sublinha
a natureza específica do desenvolvimento do populismo em países, locais e datas
específicas”. Acha que uma única fórmula para cobrir todos os populismos em
todo o lado não serão muito úteis.
O interessante foi que Berlin comparou ao conto da Cinderela
a tentativa de definir populismo através de uma única definição. Diz que não devemos
sofrer de um complexo de Cinderela. Há um sapato, para o qual deve existir um
pé em algum lado. Há vários tipos de pés nos quais os sapatos “quase” se
encaixam. O príncipe que anda sempre a vaguear com o sapato acredita que um dia
encontrará o pé certo. Esse será o
populismo puro e a sua essência.
Para Isaiah Berlin “Todos os populismos são derivações do
mesmo, desvios do mesmo e variantes do mesmo, mas algures por aí esconde-se um
verdadeiro e perfeito populismo, que pode ter durado apenas seis meses, ou [ocorreu]
em apenas um lugar”. Consultar BERLIN,
Isaiah – «To define populism»., 1967, p. 6.
O populismo reclama ser pela afirmação dos direitos do povo
face ao grupo dos interesses privilegiados, considerados habitualmente como
inimigos do povo e da nação, dirige as suas críticas às deficiências da
democracia representativa que diz não refletir o pensar e o querer do povo. Veja, por exemplo, o caso do partido Chega e o
género de intervenções feitas por André Ventura e os estribilhos e
lugares-comuns que ele utiliza. O Chega representa a chegada do populismo
da extrema-direita a Portugal.
Como chegámos até aqui?
Acima de tudo, a globalização fez com que as nossas vidas
fossem de facto influenciadas por fatores que não podemos controlar. E enquanto
os populistas dizem que é preciso "recuperar o controlo", os outros
políticos dizem que não se pode fazer nada, "ou porque somos parte da UE
ou porque a imigração vai continuar…". O resultado é que a maioria não
tenta responder às necessidades e aos receios, às vezes justificáveis, das
populações.
Nos estados europeus a globalização e a crise
económico-financeira diminuíram o investimento, impedindo ou retardando o
desenvolvimento económico agravado pela crise de 2008 e pelos efeitos da
austeridade consequentes aplicados pelos governos acrescidos pelo aumento do
desemprego que causaram um sentimento de insegurança. A "crise
migratória" que os dirigentes europeus declararam existir no território da
União Europeia ajudou ao crescimento de partidos populistas e xenófobos.
Os movimentos de imigração e de refugiados que assolaram e
assolam os países da U.E. geram uma concorrência no mercado de trabalho nos países
que os acolhem aproveitado como um dos argumentos da extrema-direita xenófoba que
é falacioso porque aqueles vão ocupar as lacunas que os autóctones não querem
ocupar assim como a escassez de investimento no comércio local que tem vindo a
desaparecer e onde ninguém quer investir. Estas imigrações ocasionam graves
problemas de acolhimento nos países de chegada que são aproveitados pelos
populistas da extrema-direita racista e xenófoba.
Esta situação e outras, assim como as indecisões ao nível da
U.E. tem sido aproveitada por alguns governos apoiados por partidos de direita
ou de extrema-direita como na Hungria de Orbán, na Polónia de Jaroslaw
Kaczynski, e na Áustria de Sebastian Kurz em coligação com o Partido da
Liberdade da Áustria (FPö), que têm adotado políticas violadoras dos direitos
fundamentais e da democracia liberal defendidos pela U.E. Em Espanha, pelos
mesmos motivos e como reação à política de austeridade e contra o euro, surge o
Podemos, embora sem conseguir chegar ao poder. No espaço da União Europeia foi
a "crise migratória" existente que ajudou ao crescimento de partidos
populistas e xenófobos como o AfD alemão.
Marine Le Pen, a líder da Frente Nacional, partido da extrema-direita
francesa e nacionalista radical, antes da eleição de Macron, apresentava-se
como uma perigosa candidata à vitória na eleição presidencial, o que poderia colocar
em perigo a sobrevivência do projeto europeu.
Quando foi colocada a Le Pen a questão sobre as razões por
que os partidos que se dizem antissistema estão a obter tanto relevo na Europa resumiu
o credo populista da extrema-direita na europa: «Creio que todos os povos
aspiram a ser livres. Os povos dos países da União Europeia, e talvez também os
americanos, terão tido durante demasiado tempo a sensação de que os líderes
políticos não estão a defender os seus interesses (os do povo), mas antes,
interesses especiais(?). Há uma espécie de revolta da parte do povo contra o
sistema, que já não os serve mais, mas antes a si próprio». Ver
aqui. É com este palavreado, a que chamam argumento, que as
extremas-direita, nacionalistas, xenófobas e populistas se agarram para,
habilidosamente, iludirem os insatisfeitos com as políticas praticadas em
democracia que acham não ter contemplado os seus interesses.
Uma das evidências dos perigos que espreitam as democracias
liberais vem dos partidos de extrema-direita é o que atualmente estão a perpetrar
os governos da Hungria e da Polónia, a que se juntou depois o apoio da
Eslovénia, utilizando uma força de bloqueio contra o pacote de resposta à crise
aceite por todos. Consideram ser inaceitável que não possam aceder aos novos
fundos europeus por discordarem da condicionalidade do critério pelo respeito
ao Estado de Direito. São eles os mesmos países que propagam que se mostram
receosos do regresso do “espectro do comunismo” à Europa, como se no atual
contexto político isso fosse o perigo real.
Este é apenas um exemplo de como governos autocráticos de
extrema-direita se dedicam por todos os meios democraticamente disponibilizados
a minar os alicerces das democracias e dos perigos que a direita populista faz
pairar sobre a democracia europeia. Manuel
Carvalho escreveu num editorial do jornal Público que “Não se pode aceitar
que a Hungria ou a Polónia beneficiem das vantagens da Europa, ao mesmo tempo
que se dedicam a minar os seus alicerces”.
A mensagem nacionalista, anti-imigrante, anti étnica,
racista e xenófoba, por vezes eurocética e anti União Europeia veiculada pela
extrema-direita é representada em Portugal pelo partido Chega. O populismo em Portugal ainda está no seu
início, mas já está a dar os seus frutos e a “vender bem”. O perigo do
populismo do Chega, e de outros partidos do mesmo, ou pior espetro, deteta-se por
meio de diatribes tais como:
- Críticas isoladas e desconexas dirigidas aos políticos, aos
partidos (que não seja o deles);
- Críticas aos órgãos representativos dos cidadãos indigitados
através de eleições livres;
- Chamando a si a luta contra a corrupção colocando em causa
setores da administração pública, organizações privadas com relevância na vida
económica ou social com tentativas para descredibilizar, sem fundamentação
científica, o funcionamento do sistema político (veja-se o caso de Trump nos
EUA);
- Incoerência com outros valores e medidas que igualmente
defende, que são um fator disruptor dos direitos fundamentais da liberdade e da
igualdade e da tolerância garantes da dignidade da pessoa humana, pondo também
em risco o Estado de direito que os salvaguarda.
Estes movimentos e partidos são um vírus que se está a expandir
tornando-se uma ameaça e um perigo para a democracia e que vai corrompendo por
forma dissimulada os seus valores e procedimentos essenciais, tanto mais perigoso
se torna quando partidos democráticos para obterem ou manterem no poder os
chamam para fazer acordos colocando os interesse partidários acima dos
interesses democráticos do país e dos próprios cidadãos.
Sofia
Lorena, num artigo publicado no jornal Público em 2018 baseado no
pensamento de Daniele Albertazzi, especialista em movimentos políticos e
estudioso do fenómeno populista na “Escola de Governo e Sociedade da
Universidade de Birmingham”, escreveu que «Um líder populista é aquele que se
vai apresentar como representante de um único povo, unido e homogéneo, que está
face a uma ameaça. Esta ameaça pode ser a elite política ou algo externo. Estes
líderes defendem que o seu povo está a ser roubado — dos seus valores,
princípios, identidade. E em breve será demasiado tarde para recuperar o que
lhes está a ser tirada».
É fácil defender que os povos europeus perderam o controlo
das suas vidas porque há anos que a Liga Norte italiana de Salvini, partido de
extrema-direita, dizia que "temos de ser donos e senhores da nossa própria
terra". André Ventura chegou a dizer em agosto de 2020 que “Eu
e Salvini, de mãos dadas, é um sinal para o futuro de Portugal e Itália”.
Para os populistas há sempre bodes expiatórios que são os causadores
da desgraça do povo, na Alemanha nazi eram os judeus, noutros países são os muçulmanos,
em Portugal, por enquanto, são os ciganos e em alguns casos os negros e outras
etnias, os políticos e os partidos são extensão da corrupção.
Os populistas atacam a lentidão da democracia representativa
e liberal e "apresentam-se sempre como defensores do tal povo homogéneo
contra outros — os imigrantes, as etnias, as pessoas que seguem uma religião
minoritária ou que não se encaixam por algum motivo", diz Albertazzi.
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