…num caso há a
notícia que passa e, no outro, a notícia que fica e permanece até ao seu
esgotamento numa espécie de ladainha diária, numa espécie de indução da opinião
pública.
Uma das profissões que admiro é a de jornalista. Admirei na
minha juventude e continuo a admirar. Tenho um pequeno sentimento de inveja da
profissão, talvez porque gostaria de ser profissionalmente como eles, escrever
como eles, falar como eles, investigar como eles, por vezes até ser “perseguido”,
pressionado (algo que, para mim, seria difícil de suportar).
Há jornalistas que são pressionados pelas redações para
fazerem “cachas” jornalísticas, seja a que custo for, mesmo omitindo partes da verdade
dos factos, condicionamento dos mesmos e a publicação de artigos e notícias com
objetivos pré-concebidos para denegrir, acusar, enxovalhar, denunciar sem
provas, etc., aí já não dou para esse peditório.
Tem-se muita das vezes a ideia de que
os jornalistas não têm vertente ideológica, que são politicamente, independentes,
isentos e encontrarmos por parte deles alguma resistência em aceitar o
contrário. Podem ser independentes face ao poder político, mas não o serão face
ao poder patronal. Habitualmente afastam a possibilidade da não isenção. Ao
dizerem-se isentos e independentes do poder propõem-se afastar qualquer
simpatia ideológica embora se verifique pelos comentários que produzem que ela,
de facto, está presente.
Neste contexto os meios de comunicação, diria que todos, não
estão isentos de valor político-ideológico. Assim, ser jornalista significa ter
de se submeter e contribuir através de seus trabalhos para a manutenção da
ideologia dos meios de comunicação onde exerçam a sua profissão.
Se definirmos ideologia como uma aceitação rígida, até mesmo
fanática, de um conjunto de ideias e valores, não importa quais, então é coerente
que os jornalistas neguem tê-los ou evitem manifestá-los por questões de ética que
regem a sua conduta
pessoal e profissional.
Mas, se, pelo contrário, ideologia for entendida como o
conjunto de atitudes sociais, crenças políticas e valores morais que moldam a
interpretação do mundo, então todos ou quase todos trabalhamos com base numa estrutura
ideológica, incluindo os jornalistas. Contudo, neste tipo de ideologia a que me
refiro quando estamos no âmbito da política, então, tenho dúvidas se, no
exercício do seu direito de cidadania, ao votarem num partido que nos venha a governar,
se não terão também, com certeza, como a maior parte de nós, uma opção
político-partidária.
Para mal do jornalismo muitas pessoas dizem que podem
confiar mais nas redes sociais on-line como fontes de notícias e informações não
se apercebendo que por elas são influenciados ao que acresce a sua participação
em discussões on-line, a maior parte da vezes insensatas e irresponsáveis provenientes
de vários quadrantes ideológicos e políticos, das mais democráticas às mais extremistas,
por vezes até de índole criminosa.
A informação exclusiva pelas redes sociais pode ter como
consequência serem elas a decidir aquilo que iremos saber e, por isso, correndo
o risco de seremos manipulados, o que também não estará fora de causa para
outros órgão de comunicação.
Numa democracia liberal o escrutínio do poder é essencial e
a comunicação social deve também exercer esse importante papel de escrutínio do
poder para o qual o jornalismo e os jornalistas são peças fundamentais. Mas os
jornalistas, como quaisquer pessoas são humanos e, como tal, possuem defeitos,
virtudes, gostos, ideais, anseios, opções ideológicas e dimensões políticas
várias, com diferenças de identidade. Todavia é nos relatos, nos modos de relatar
uma notícia ou fazer um comentário político que as opções e diferenças
político-ideológicas se manifestam, ainda que sob a pretensão de uma capa de
isenção.
A seleção de notícias pelas redações dos órgãos de
comunicação social, especialmente as televisões, com a urgência de dar
primeiramente uma notícia pode fazer com que, sem estar completamente
confirmada ou verificada, pela pressão que vai no sentido de ser dada a notícia
em primeiro lugar, por motivo da concorrência entre canais e de marcar uma
agenda de informação política.
Ao longo dos anos que tenho visto e ouvido noticiários televisivos
percecionei que há algo que não vai bem no mundo da comunicação social. A
veracidade dos factos e o tratamento das notícias são focados segundo
interesses quer das redações, por vezes com alguma parcialidade, quer pelas empresas
que subvencionam os media, quer pelos canais de televisão, quer pela imprensa.
Vejamos de maneira muito geral o que se tem observado ao
longo dos anos nas noticiosas televisivas cuja perceção para quem esteja atento
é a de que há uma predominância de escrutínio aparentemente rigoroso para com alguns
partidos que estejam no Governo comparativamente com outros que estejam ou
estiveram em circunstâncias idênticas.
Sem querer entrar no domínio de suspeições e de teorias da
conspiração analisamos que, quando está
no poder um partido de esquerda ou centro esquerda o escrutínio pelos órgãos de
comunicação aprofunda a procura de casos e são mais exigentes, rigorosos e propensos
para a insistência em investigações jornalísticas com a sua repetição exaustiva
de modo a comprometer o partido que está no governo sobretudo quando o mesmo é
o Partido Socialista propiciando o lançamento para a opinião pública de determinadas
situações, factos ou notícias que lhe sejam desfavoráveis de modo a contruir uma
narrativa oposicionista aproveitada pelos partidos que encontrem no momento na
oposição.
Uma das missões da investigação jornalística televisiva sob
a forma de reportagem ou procura de notícia, deve ser a de informar o público
sobre irregularidades públicas ou privadas, políticas, económicas e sociais. Se
prolongada e repetitiva, mas, se pouco desenvolvida em relação aos factos são
redutoras podem intoxicar e minar a opinião pública sendo até, por vezes, redutoras.
Não se defende que casos de corrupção, compadrio, transgressão de normas ou
princípios, questões de ética, interesses pessoais ou outros verificados como
factos não sejam divulgados, noticiados, escrutinados e investigados. O
que se critica é a diferença na procura, nos critérios seguidos e na exigência em
função do partido que esteja no Governo, seja ele o PS ou o PSD ou qualquer
outro. O que passa para a opinião pública e a sensação com que se fica é a de que
os atos investigados são insistentemente mais salientados quando o primeiro
está no poder e que a imagem que se pretende passar é a de que a corrupção e a
incompetência se encontram apenas num partido.
Se vasculharmos notícias sobre os vários governos em que
tenham surgido casos de corrupção que tenham sido utilizados como arma de
ataque a ministros, secretários de estado e autarcas ou outros casos que os comprometam
publicamente, como prevaricações ou negociatas, ligações familiares com
empresas privadas que tenham tido ou com que tenham colaborado, ligações a escritórios
de advogados raramente encontramos ligações e referências a militantes ou
ex-militantes da direita ao longos do anos de governação do PSD e ou CDS. Serão
estes impolutos, imaculados. Se os houve, ou há, passam na comunicação social sem
aprofundamento, insistências, repetições como qualquer notícia outra que passa
e logo após desaparece.
Ficamos com a impressão de que casos como os antes referidos,
quando se trata da direita, há uma tendência para deixarem de ser de interesse público
e de investigação ou pesquisa jornalísticas e que as fontes ficam no seus esconderijos,
como se tivessem o dom da invisibilidade, parecendo carecer de informação para denúncia e, se encontram
algo inconveniente passa a ser de tratamento
jornalístico superficial e pouco aprofundado, sem repetições exaustivas nos
noticiários e rápida e facilmente caem no poço do esquecimento.
Explicando-me melhor, num caso há a notícia que passa e, no
outro, a notícia que fica e permanece até ao seu esgotamento numa espécie de ladainha
diária, numa espécie de indução da opinião pública.
É como se houvesse uma espécie de lei do efeito de Edward
Thorndike tratado na psicologia. De acordo com este princípio, as ações que são
seguidas por resultados desejáveis são mais suscetíveis de serem repetidas,
enquanto aquelas seguidas por resultados indesejáveis são menos suscetíveis de
serem repetidas. Explicando: se aplicado aos media e às notícias e, de acordo
com aquele princípio, as ações (notícias) que sejam seguidas por resultados
desejáveis (p. ex. algo que venha contribuir para perda ou desfavor do envolvido(s)
são mais suscetíveis de serem repetidas, enquanto aquelas seguidas por
resultados que não sejam desejáveis para o envolvido(s) são menos suscetíveis
de serem repetidas.
Coloca-se-me então uma dúvida na perspetiva do meu fator de
análise: será que nos partidos de direita os seus elementos, sejam eles,
parlamentares, tenham pertencido, ou não, em governos, autarcas são ou foram
sempre imaculados, virtuosos, incorruptos? Para a opinião pública talvez sejam
porque não há aprofundamento nem interesse em investigações jornalísticas e, quando
o há sai rapidamente das parangonas da comunicação social impressa ou
televisionada. Outra dúvida que se pode colocar é a de saber se as nomeações para
cargos de Governo quando a direita PSD e na altura também o CDS estão no poder
são tão escrutinados quanto os do Partido Socialista.
Lembremos o caso que envolveu a ministra das finanças Maria
Luís Albuquerque que em março de 2016 que segundo o DN,
e conforme noticiava o Expresso, «as empresas Gesphone e Whitestar Asset
Solutions S.A, adquiridas pela Arrow Global em 2015, tiveram benefícios fiscais
num total de 381,7 mil euros entre 2012 e 2014, segundo informação
disponibilizada pela Autoridade Tributária». «O jornal avançava que a maioria
do benefício foi para a Whitestar, num total de 362,5 mil euros, dos quais 198
mil foram para a criação de emprego e os restantes 163,7 para o crédito fiscal
ao investimento. Para a Gesphone - Serviços de Tratamento e Aquisição de
Dívidas SA o benefício foi de apenas 19,2 mil euros em 2013, a maioria
resultante do crédito fiscal ao investimento».
Em abril de 2018 o semanário Jornal Económico lança uma notícia
com o título «Montenegro faturou 400 mil euros em ajustes diretos de autarquias
do PSD» e noticia que «Entre 2014 e 2018, a sociedade de advogados Sousa
Pinheiro & Montenegro (detida em 50% pelo deputado do PSD) obteve 10
contratos por ajuste direto das câmaras municipais de Espinho e Vagos, ambas
lideradas pelo PSD». Foram fogachos que os bombeiros de serviço apagaram passado
pouco tempo.
Em 11 de janeiro do corrente o Porto Canal recorda: «Luís
Montenegro fez contratos por ajuste direto com autarquias de Espinho e Vagos» e
a RTP afirma que «Escritório de advogados de Montenegro fez dez contratos por
ajuste direto com Espinho e Vagos». Já em maio de 2022 já a SIC Notícias titulava
que «Banco de Fomento contratou a empresa de Luís Montenegro por ajuste direto».
Em maio de 2022 o Diário de Notícias escrevia que «Da parte
da sociedade de Montenegro, Nuno Castro Marques diz que este é um assunto sem
sentido e que só surge agora devido ao momento político do PSD».
Ora, na altura, a notícia terá passado despercebida e não
foi exaustivamente repetida pelos media, agora, com a Operação Vórtex, que
investiga diversos crimes económicos no seio da Câmara Municipal de Espinho,
traz à tona este caso em que Luís Montenegro é mencionado. Poderemos interpretar
isto como uma justificativa para mostrar que não há uma “perseguição”
jornalística ao PS e que também são dadas notícias de outros partidos sem o que
a isenção jornalística estaria cumprida? Possivelmente não, serão apenas
coincidências. Isto não invalida a perceção negativa que provoca na opinião
pública devido à repetidas e insistentes notícias dos casos que envolvem o PS e
o Governo.
A forma insidiosa como alguns órgãos de comunicação tratam
algumas notícias é por vezes demasiado evidente a mostra da benevolência ou o
desinteresse face casos ou facto noticiosos. Para melhor se perceber ao que me
refiro incluo abaixo uma imagem da capa do Correio da Manhã onde é evidente a
importância dada por este jornal ao facto que foram os graves acontecimentos no
Brasil.
A importância/relevância dada à subjetividade de notícias de
detrimento dum facto que é minimizado em noticia não é evidente em relação a
outros dois cuja subjetividade é evidente. Das três notícias desta capa em 9 de
janeiro de 2023 qual foi, para o leitor, o acontecimento mais importante que marcou a imprensa internacional? Claro que depende de cada um, é o resultado da subjetividade, mas parece não terem sido os acontecimentos no Brasil os mais noticiados e com relevância neste órgão de comunicação.
O posicionamento político e ideológico dos órgãos de
comunicação é evidenciado pela “Agenda Setting” (fixação de agenda) e pela hierarquização
da relevância dada às notícias. Isto é, “a hipótese segundo a qual a agenda
temática dos meios de comunicação impõe os temas de discussão social. Por outras
palavras: as pessoas, nas suas comunicações interpessoais, discutem
prioritariamente sobre os temas abordados pelos meios de comunicação”. Assim, na
imprensa e nos jornais noticiosos televisivos são selecionados para a primeira
página ou para a abertura sobretudo notícias que impliquem o interesse para a
opinião pública. Para o Correio da manhã parece que a invasão do Congresso no
Brasil não terá relevância.
Outra situação também muito recente foi a notícia do Público
Montenegro fez dez contratos por ajuste direto com as câmaras de Espinho e
Vagos. Entre fevereiro de 2014 e Janeiro de 2022, a sociedade de advogados de
que o presidente do PSD era sócio faturou 679 mil euros em contratos com
entidades públicas.
Assim, cabe aos media dizer ao público que devem pensar e é através
da seleção de determinadas notícias que os editores constroem a realidade
política, social, entre outras o que na maior parte é apenas absorvido pelo referido
público sem quaisquer críticas a não ser pelos comentadores da política.
Conforme já afirmei antes, ao comparar os casos noticiosos
relevantes que afetem os dois principais partidos da política portuguesa que alternam
no poder, é manifesta a forma como as notícias, sobretudo nos canais
televisivos, são mantidas ou retiradas da sua agenda pública. Estas ações determinam
e influenciam o modo como nós o público entendemos e nos relacionamos com a
realidade informativa, assim como também a influencia o modo como essa
realidade é por nós mais ou menos valorizada.
Face ao exposto devemos estar atentos ao que órgãos de
comunicação nos pretendem “vender” e o porquê desse produto dito informativo, e,
sobretudo, quando a informação está sobre a égide do jornalismo de
investigação.
Na minha perspetiva pelas circunstâncias e pela forma como
os media atuam e produzem a informação política para a opinião pública é impossível
resistir anos à erosão de poder e à estabilidade durante vários seguidos, seja
qual for o líder, ou o Governo.
Nota: Exemplo do funcionamento da Agenda Setting dos media. Imaginemos
que num determinado dia dum determinado ano um político de um determinado partido
que iria concorrer a para umas eleições foi apanhado alcoolizado numa rua e foi
e visto por uma certa pessoa que o fotografou e enviou para reações de órgãos
de comunicação social. O caso foi noticiado nas primeiras páginas de alguns
jornais e nas aberturas dos jornais televisivos e tornou-se um assunto muito
comentado nas redes sociais.
Dias depois, uma sondagem colocou a seguinte questão numa pesquisa
“Acha que se fossem hoje a eleições votaria contra ou a favor desse político
nas listas e se deveria ser expulso do partido?” No dia seguinte de forma
alarmante nos noticiários era noticiado: 91% dos entrevistados disse que não
mais votaria naquela político e que 89% queria que fosse expulso do seu
partido.