Política

A atualidade política do filme O Mundo a seus Pés


A existência de uma comunicação social livre pressupõe o escrutínio e a informação sobre quem ocupa ou venha a ocupar cargos públicos, semipúblicos e políticos, é um dever de informação, mas há limites.


Revi no passado Sábado, mais uma vez, o filme Citizen Kane, cujo título em Portugal é conhecido por "O Mundo a seus Pés", realizado por Orson Wells em 1941 e que foi exibido no fim de semana passado pelo canal Memória da RTP. Embora seja considerado um filme inovador para a época quanto à realização, iluminação, planos utilizados, pormenores da imagem, cenários e ambientes, o que pretendo abordar centra-se numa análise de conteúdo simbólico. O filme pode ter várias leituras que vão desde a análise do caráter dos personagens à dimensão política e ao poder dos media.


O filme apesar do ambiente da ação se passar nos Estados Unidos da América mostra em algumas sequências o que ainda hoje podemos constatar na política na maior parte dos países, incluindo Portugal.


A parte que pretendo salientar centra-se nas sequências que mostram que o milionário e megalómano Kane, que controlava órgãos de informação e de comunicação, na altura a imprensa, decidiu candidatar-se a governador de um estado opondo-se, denunciando e acusando de corrupto Jim Gettys o então governador. Kane apresentava-se ao eleitorado como sendo um liberal e amigo dos trabalhadores.


Na véspera das eleições Kane faz um discurso inflamado em Madison Square Garden, frente a um cartaz gigantesco de si mesmo, com o único propósito de apontar e tornar pública a desonestidade, a vileza da máquina política do chefe Jim W. Gettys que detinha o total controle do governo daquele estado. O discurso de Kane sintetiza-se da seguinte forma:


Não fiz nenhuma promessa de campanha, porque até algumas semanas atrás, não tinha esperança de ser eleito. Agora, no entanto, eu sou algo mais do que uma esperança. Jim Gettys tem algo menos do que uma hipótese. Todas as sondagens independentes mostram que vou ser eleito. Agora posso fazer algumas promessas. O homem trabalhador, o trabalhador e o filho do bairro pobre sabem que podem esperar os meus melhores esforços nos seus interesses. Os cidadãos comuns da nação sabem que vou fazer tudo o que estiver ao meu alcance para proteger os desprivilegiados e os mal pagos.


Os objetivos oratórios da campanha de Kane centram-se no fim da corrupção. A rivalidade concentra-se no chefe político e oponente Jim Gettys. Kane com raiva faz uma promessa firme e definitiva aos seus apoiantes – como primeiro ato oficial prender o governador seu oponente atual. Aqui está uma promessa que eu farei, e o chefe Jim Gettys sabe que a vou cumprir. O meu primeiro ato oficial como governador deste estado será nomear um advogado público especial para providenciar a acusação, a acusação e a condenação de Boss Jim W. Gettys.


Gettys é avistado numa varanda acima do palanque onde Kane faz o seu discurso ameaçador. Kane está em vantagem e espera ganhar a corrida eleitoral para governador.


Emily, a esposa de Kane, ao sair após o comício, entra num táxi e confronta-o com uma nota que recebeu sobre suspeitas de que ele tem um apartamento oferecido a Susan com quem tem uma relação extra conjugal. Kane acompanha Emily de táxi para o apartamento de Susan. Chegados ao apartamento entram e no prédio, no alto da escada Susana a amante de Kane encontra.se apreensiva e quando chegam ao apartamento é Susan, que admite que Gettys a forçou a escrever uma carta a Emily para mostrar e expor o relacionamento de Kane com ela dizendo que a tinha obrigado a enviar à esposa essa carta. Eu não queria. Ele tem dito o mais terrível - Gettys aparece na entrada do apartamento de Susan como uma sombra ameaçadora. Sendo apanhado Kane fica indignado e profere ameaças a Gettys.


Kane, Emily, Susan e Gettys discutem o caso e como isso afetará a corrida para o governador. Gettys está a lutar pela sua sobrevivência política e pela sua própria existência contra-ameaça chantageando Kane em tornar o caso público em todos os jornais do estado que não fossem propriedade dele, expondo o relacionamento extra-conjugal com Susan para que se retire da corrida.


O escândalo mancharia a imagem pública que Kane que tenha cuidado para a sua campanha moral. Gettys propõe que Kane explique que sua retirada é devida a uma doença e ameaça que as manchetes dos jornais vão prejudicá-lo se ele não se retirar. Kane prefere recusar e aceita o escândalo público perdendo por isso as eleições.


Os escândalos na política e a intromissão na vida privada dos políticos ou dos candidatos a cargos políticos são coscuvilhados e escrutinados com objetivos de destruição do caráter e das carreiras dirigindo-se sobretudo ao partidos da opoisção que querm conquistar o poder. Quem escrutina raramente ou nunca é escrutinado, refiro-me, claro está, a jornalistas ditos de investigação e a políticos que com eles colaboram na sombra.


A existência de uma comunicação social livre pressupõe o escrutínio de quem ocupa cargos públicos, semipúblicos e políticos, é um dever de informação, mas há limites. Os que exaltam as virtudes, as exigem e denunciam a falta delas em outros não admitem que, também eles próprios, podem não as ter, mas apresentam-se como sendo o exemplo de virtudes personificadas.


Quando não conseguem impor pelas suas ideias ou fazer oposição fundamentada, ou, ainda, lhes faltam os apoios necessários procuram derrubar os seus adversários não pelas ideias ou pela prestação política, mas através de mecanismos de ataque pessoal e outros cuja ética e a própria moral reprovam. Para estes não há ética, a política é uma espécie de luta onde vale tudo e não existem regras. Só as reclamam quando deles próprios se trata.


O que acabo de escrever aplicado a um caso, embora diferente, hoje confirmado pelas notícias, e não são "fake news", de que na América, o procurador-geral Jeff Sessions pediu que fossem investigadas "algumas matérias" relacionadas com a Fundação Clinton - incluindo as suas relações com a Rússia. Há meses que o Presidente Trump o pedia e que os republicanos puxam agora pelo caso no Senado.


Conforme tem sido noticiado Donald Trump está em maus lençóis, devido às suas relações com a Rússia, havia que "escavar" algo que se passasse com alguém dos seus opositores políticos.


E mais outra, desta vez com os republicanos que estão às voltas com um candidato ao Senado com o qual não querem ter um problema por ter sido acusado de abusar de duas menores. Há que mostrar que também eles são rigorosos quando se trata da excelência moral.


Enfim, em política procura-se tudo para denegrir adversários, partidos e ideologias que disputam entre si o poder. Perde-se cada vez mais o argumento ideológico em favor de argumentos contra o caráter pessoal. A política é assim, e sempre foi assim, veja-se o caso português na primeira república.


Pode ver o filme Citizen Kane aqui.

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