Quando escutamos ou lemos relatos de pais e outros familiares preocupados e lamentando-se por que os seus filhos estão sempre "agarrados" ao telemóvel e ao computador devemos estar cientes que todos temos contribuído em larga medida para este tipo de comportamento.
A aprendizagem social, conceito estudado por vários psicólogos educacionais, começa no seio das famílias. Explicando-me melhor: a teoria da aprendizagem social, do psicólogo educacional Albert Bandura, está em concordância com as teorias da aprendizagem behavioristas (comportamentalistas) do condicionamento clássico e do condicionamento operante, mas adiciona-lhe duas ideias importantes:
a) Processos de mediação ocorrem entre estímulos e respostas.
b) O comportamento é aprendido com o meio ambiente através do processo de aprendizagem observacional.
Na sociedade, as crianças estão cercadas por muitos modelos influentes, como pais ou encarregados de educação, personagens na TV infantil ou juvenil, amigos, colegas de grupo e professores na escola. Estes modelos fornecem exemplos de comportamento que são observados e capazes de ser imitados, por exemplo, masculino e feminino, pró e antissocial, etc.
Numa análise longitudinal observa-se que as crianças prestam atenção a algumas dessas pessoas (modelos) e codificam o seu comportamento. Mais tarde, podem imitar (ou seja, copiar) o comportamento que observaram. Eles podem fazer isso independentemente do comportamento ser ou não "apropriado para o género", mas há vários fatores que tornam mais provável que a criança reproduza o comportamento que a sua sociedade considera apropriado para seu género.
Se olharmos à nossa volta não passa despercebida a disseminação de smartphones pelas mãos dos mais variados grupos etários. Em casa, nas escolas e universidades, nos transportes públicos, nos cafés, nas esplanadas, nos restaurantes, nas praias, enfim, em todo o lado, a sós, ou em grupos ou em família. É neste último grupo que se enquadra a tecnoferência, novo conceito que define a interferência da tecnologia nas relações familiares.
No que respeita à utilização de certas tecnologias pais e encarregados de educação, sem se aperceberem, podem manifestar sintomas do efeito da terceira-pessoa quando não se acham passíveis de ser atingidos pelo efeito de algo que, pensam, apenas acontece aos outros e não a eles próprios e aos que os rodeiam. Sobre o efeito da terceira-pessoas pode consultar o meu estudo publicado nos Cadernos de Investigação Aplicada das Edições Lusófonas em 2008, mas ainda atual, "Televisão educativa e atitude face aos efeitos resultantes da exposição a mensagens televisivas: uma análise exploratória sobre o efeito da terceira-pessoa".
O novo conceito tecnoferência ou interferência da tecnologia, que foi inicialmente definido como sendo uma "presença ausente" ou o ato de estar fisicamente presente, mas com a mente noutro lugar com base na comunicação ou conteúdos a partir de smartphones. Isto é, muitas das vezes a nossa presença pode ser completamente desconhecida. Nós estamos fisicamente presentes, mas, simultaneamente, tornamo-nos ausentes. Estamos numa dimensão de presencia-ausência (ver Gergen 2002) devido à invasão de dispositivos portáteis na descontinuidade dos diversos espaços sejam públicos, sejam familiares.
Mais recentemente, o conceito de ´tecnoferência' passou a ser definido como interrupções cotidianas em contexto familiar devido às tecnologias. McDaniel (2014) definia assim o conceito: Embora não haja dúvidas de que a tecnologia pode ser usada de várias formas positivas (por exemplo, comunicação, tempo de lazer compartilhado, gerenciamento da vida), com tantos dispositivos tecnológicos e em torno da vida familiar, é provável que surjam efeitos negativos - até mesmo do uso normativo. Especificamente, concentro-me aqui no potencial de interferência da tecnologia nos relacionamentos de casais e famílias - momentos em que os dispositivos de tecnologia interferem, interrompem e/ou atrapalham a comunicação e as interações entre pares e familiares. Eu chamo isso de "tecnoferência".
Ora, o que diariamente verificamos à nossa volta são interrupções que ocorrem durante conversas presenciais rotineiras, durante as refeições e brincadeiras que nos leva a ter a perceção de intrusão que se sente quando pessoas adultas, crianças e jovens, durante o tempo em que se encontram juntos, interagem com tecnologias digitais. Esta tecnoferência tem vindo a estar associada a conflitos entre pais e filhos.
Quando os pais passam muito tempo a ver televisão ou "agarrados" aos smartphones durante as refeições e nos momentos de lazer e brincadeira, as crianças tendem a mostrar comportamentos problemáticos, maior frustração e hiperatividade. Durante um jantar familiar alargado onde a conversa é centrada à margem das crianças estas tendem a ficar mais barulhentas nas suas brincadeiras tentando chamar a atenção. Empiricamente tenho observado este tipo de comportamentos.
Os vários estudos que foram feitos comprovaram a interferência da televisão na comunicação familiar, mas os dispositivos móveis vieram agravar o problema. Segundo a revista Science Daily, "os pais que passam muito tempo nos seus telemóveis ou a assistir à televisão durante as atividades familiares, como refeições, brincadeiras e horas de dormir, podem influenciar a longo prazo a sua relação com os seus filhos". Isto tem sido confirmado com investigações que comprovam, pelo menos parcialmente, que a chamada "tecnoferência" pode levar as crianças a mostrar mais frustração, hiperatividade, choramingar, aborrecimentos ou acessos de raiva e, por outro lado, funciona como modelo de aprendizagem social.
Os resultados duma investigação efetuada por por McDaniel na Universidade de Illinois nos EUA publicada em 14 de junho de 2018 sugerem dinâmicas bidirecionais em que:
a) os pais, sujeitos ao stress pelo comportamento difícil dos filhos, podem afastar-se das interações pais-filhos através da tecnologia, e:
b) a utilização exagerada da tecnologia avançada durante as interações entre pais e filhos pode influenciar ao longo do tempo comportamentos de retirada e desvio para outras atividades exteriores.
Em meio familiar há muito que se tornou uma atividade aceite como normal os pais ou os encarregados de educação isolando-se do convívio com as crianças, dentro da mesma sala ou retirando-se para outra, para interagirem isoladamente com os seus smartphones são seguidos, por imitação referencial (diria modelação por imitação) sendo os seus educandos influenciados por intermédio duma aprendizagem social incorporada ao longo dos anos.
Tags: psicologia educacional, tecnologia, comportamento, smartphones, aprendizagem social, sociedade, efeito da terceira-pessoa, tenologias digitais, aprendizagem
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