Política

Cuidado com os despertares emergentes e alianças populistas

De acordo com o jornal Le Monde  estará marcada um nova manifestação dos “coletes amarelos” em França para sábado 1º de dezembro?


Apesar do discurso de Emmanuel Macron em 27 de novembro, apesar da reunião de representantes do movimento com o ministro da transição ecológica François de Rugy (27 de novembro) e depois com o primeiro-ministro Edouard Philippe (30 de novembro), mais um dia de a mobilização está planeada em toda a França.


Marine Le Pen líder do partido União Nacional, ex FN, sob a capa da moderação, provoca implicitamente o confronto quando disse na Europe 1, segundo o jornal FranceSoir,  "Se os Champs Elysees forem interdito aos “coletes amarelos” eles sentirão isso como um ato de  mais humilhação, mais uma forma de desprezo", argumentou o Marine Le Pen. "Os Champs-Élysées é uma avenida que é o símbolo da França, ora os “coletes amarelos” são o povo francês…” Eles consideram isso como como sendo seu.”, afirmou Le Pen. Pode conferir aqui.


Segundo uma sondagem  em França que pode ver aqui são cada vez mais os franceses que apoiam os “coletes amarelos” e os protestos pela redução de impostos e reposição do poder de compra: 84%,. Os eleitores da União Nacional de Le Pen, antiga FN, são os que mais apoiam a contestação com 92%. Os apoiantes de Macron dividen-se: 50% apoiam e 50% não.


Isto leva-nos a refletir sobre este tipo de movimentos. As manifestações são ações democráticas em que se pretende expressar coletiva e publicamente um sentimento ou uma opinião podendo ser por parte de um grupo social em particular ou pela a sociedade em geral. Surgiram, entretanto, manifestações convocadas por novos movimentos sociais e políticos de contestação que mostram que a cidadania ainda existe e que as pessoas ainda reagem e que contestam a democracia tal como a conhecemos na expectativa de que se que se discuta alternativa ao modelo dominante são os movimentos ou manifestações inorgânicas sem dono e à revelia de qualquer organização democrática.


Estas manifestações inorgânicas são promovidas através das redes sociais e são por vezes aproveitadas por partidos que não se enquadram dentro da legalidade democrática como são os movimentos extremistas de direita que utilizam palavras de ordem populistas e também por partidos da extrema-direita alguns com assento parlamentar.


A extrema direita está em crescimento na Europa aproveitando o descontentamento da população derivado problemas relacionados com a austeridade, migrações, fecho de fronteiras que dizem conseguir poderem resolver e ultrapassar e utilizam slogans anti União Europeia e de nacionalismos exacerbados.


O discurso antieuropeu não é exclusivo da extrema-direita, a extrema-esquerda também o alimenta, cada um com argumentos diferentes, mas com vetores orientados e convergentes, diferindo apenas no sentido e posição ideológicos, mas da mesma intensidade e aceleração.


Estas forças que utilizam a democracia para se afirmarem posteriormente como partidos capazes de resolver tudo quanto os países e a U.E. não conseguiram resolver. Com demagogia e populismo, vão penetrado ao poucos, com a sedução de ideias e princípios já bem conhecidos no passado, mas que, os mais jovens, por ignorância da história dos seus países, assimilam sem espírito crítico. Os povos apenas veem o imediatismo das propostas que aqueles partidos lhes dizem poder oferecer. Um dos argumentos populistas mais utilizados por esses partidos que se dizem democráticos é a utilização do medo de tudo: dos mercados, dos migrantes, da insegurança, do desemprego, etc., etc...


No passado, não muito longínquo, as democracias morreram com os mesmo argumento: nacionalismos extremados, procura e utilização de causadores da crise nos países, culpabilizar os órgãos de informação de muitas das causas de que enferma a política….


Não nos enganemos, há uma relação entre populismo e autoritarismo.  Steven Levitsky, e Daniel Ziblatt no seu livro como morrem as democracias «How Democracies Die: What History Reveals About Our Future», «Como Morrem as Democracias: O que a História Revcela sobre a Nossa Democracia», defendem a tese de que as democracias atualmente já não morrem em decorrência de ações armadas ou golpes militares.


Se estivermos atentos veremos que, atualmente, podem surgir movimentos que, sob a capa da democracia, pretendem pôr em causa a autoridade do Estado e as decisões de governos que foram democraticamente eleitos o que de certo modo é legítimo quando os governos que saiam das eleições não respondem às espectativas das populações e é nesse contexto emocional que a extrema direita aproveita para se fazer ouvir.


Veja-se o caso que se passa em França com a convocação dos chamados coletes amarelos através redes sociais, manifestação inorgânica marcada fora de qualquer quadro político ou sindical que se iniciou contra o imposto ecológico lançado sobre os combustíveis alargado depois ao  aumento fiscal generalizado e aumento do custo de vida.   Com o apoio implícito de partidos da extrema direita, avançam com outro tipo de reivindicações e protestos pediram já a demissão do presidente Macron de centro direita.


Não é por acaso que hoje, 26 de novembro, Benjamin Cauchy, (não eleito como líder do dos coletes amarelos), a principal mediática figura desde o início do movimento de coletes amarelos, que teve início no passado sábado 17 de novembro se distanciou do movimento.


"Há uma radicalização que é extremamente danosa e da qual eu me destaco. Sei que centenas de pessoas querem ficar longe de coletes amarelos. Convido-os a participar de um movimento chamado Lemons. Já estamos cansados ​​de estar com pressa, não queremos falhas e somos amarelos.”, disse Benjamim Cauchy à emissora francesa de notícias RTL.


Também é claro o apoio implícito e oportunista e de intromissão naquele movimento de Marine Le Pen, líder do partido da extrema direita RN - Rassemblement National (União Nacional) a ex FN - Frente Nacional, mas que pessoalmente não se manifestou no dia 17 de novembro. Segundo a emissora EUROPE 1 Marine Le Pen acusou na quinta feira o governo francês de querer "minimizar o movimento". Terá dito que, para as eleições europeias, vai adotar a linhas políticas de Matteo Salvini, ministro do Interior italiano, tendo em vista "uma revolução democrática" na Europa (que espécie de democracia será para a extrema-direita??).


Em alguns países da União Europeia a extrema direita, eurocética e contra a U.E., tem-se insinuado aos povos com populismo e demagogia de tal modo que não estamos longe, no futuro próximo, de ver partidos extremistas de direita virem a ser a terceira força política no Parlamento Europeu.


Numa entrevista à Fundação FHC no Brasil, Levisky explica que “Nos dias de hoje, a subversão da democracia ocorre de maneira lenta e incremental. Um dos primeiros passos é controlar o Judiciário. Em seguida vem a perseguição aos media independentes e aos opositores políticos, intelectuais e lideranças sociais, assim como o progressivo controle do Estado e até mesmo de setores da economia. Quando as pessoas percebem o que está a acontecer, já é tarde demais”.


Não é por acaso que surge ao debate proposto pela direita a questão da revisão constitucional. O estado da democracia na Europa Central e de Leste é cada vez mais preocupante. Vejam-se, por exemplo, o caso da Polónia e da Hungria países tidos como casos de sucesso da transição do comunismo para a democracia, mas que estão a tornar-se regimes cada vez mais autoritários e menos democráticos segundo o relatório da Nations in Transit 2018.


O relatório mostra que a União Europeia - e o grupo do Partido Popular Europeu no Parlamento Europeu - deve assumir a responsabilidade pelo confronto com o anti liberismo do governo Fidesz - União Cívica Húngara (em húngaro: Fidesz – Magyar Polgári Szövetség) é um partido húngaro de direita populista e nacional-conservador liderado por Viktor Orbán.


Mapa_democracias
Com uma maioria absoluta muito confortável no parlamento, o Fidesz conseguiu rever a Constituição e a estrutura legislativa de forma formalmente legal, apesar da clara violação dos princípios da democracia liberal. As esperanças da U.E. de que Orbán e o seu partido se afastassem das orientações não liberais por ele próprio provaram ser irrefletidas.


Segundo um artigo de opinião da Nations in Transit “a Polónia a seguir o mesmo caminho que da Hungria, a U.E. deve tomar urgentemente em ambos os países medidas coordenadas. Em primeiro lugar, deve basear-se no seu processo de sanções contra a Polónia ao abrigo do artigo 7º, abrindo também uma contra a Hungria. Em segundo lugar, para os dois países, a U.E. deve dar seguimento a investigações anticorrupção que envolvam a utilização indevida de fundos da U.E. e condicionar o acesso aos fundos dando cumprimento de critérios rigorosos de um Estado de direito. Do mesmo modo, a deve levar a sério o comportamento não liberal de potenciais Estados-Membros nos Balcãs Ocidentais, incluindo os chamados líderes, Sérvia e Montenegro. O desejo de uma “estabilidade” superficial nos Balcãs não deve sobrecarregar a necessidade de usar a influência considerável da UE para melhorar o estado de direito".


Uma das grandes diferenças entre a Hungria e a Polónia é o facto de Viktor Orbán ser o primeiro-ministro eleito da Hungria e Jaroslaw Kaczynsky ser apenas o líder do Partido Lei e Justiça (PiS) - uma condenação por fraude eleitoral impede-o de ocupar cargos públicos -, mas controla governo e presidente.


As Constituições, sendo garantes de que algum partido ou pessoa com tendências autoritárias não ultrapasse a linha vermelha e possa comprometer a democracia através de certas regras que fazem parte do jogo democrático, se não forem expressas, podem ser facilmente manipuladas. Políticos sem escrupulosos podem explorar entrelinhas de uma Constituição para minar o seu espírito como, por exemplo, nomeações para certos lugares e instituições quem seja considerado leal às suas ideias e ao seu campo político, colocando em xeque o equilíbrio a médio e longo prazo noutros órgãos do poder.


Como exemplos recentes de governantes legitimamente eleitos que trilharam essa trajetória, Levitsky citou o venezuelano Hugo Chávez (que governou durante 14 anos, de 1999 até sua morte em 2013, e foi sucedido por Nicolás Maduro), o turco Recep Tayyip Erdoğan (eleito primeiro-ministro da Turquia em 2003, mudou a Constituição para instalar o presidencialismo e fez-se eleger como presidente em 2014) e o russo Vladimir Putin (que governa a Rússia desde 1999, inicialmente como primeiro-ministro, depois como presidente, novamente como primeiro-ministro e que recentemente foi reeleito com folga para um quarto mandato presidencial).


“Devemos fazer todo o possível para evitar que um candidato antidemocrata conquiste o poder, pois, ao chegar lá, não tenha dúvida de que ele colocará em prática suas ideias autoritárias. Para impedir que isso ocorra, vale até mesmo se aliar a adversários políticos com opiniões diversas, desde que firmemente comprometidos com a democracia”, afirmou Levitsky.


Quando se organizam movimentos emergentes ou criam partidos de caráter populista ou a representantes de alguma elite económica e acriticamente os apoiamos pode estar-se a abrir portas do poder para radicais com pendor autoritário imaginando que depois da eleição será possível mantê-los sob controle. A história mostra que isso pode ter graves consequências, como foi o caso da ascensão de Adolf Hitler na Alemanha, em 1933.


Devemos refletir sobre o que Daniel Ziblatt, um dos autores do livro anteriormente referido, afirmou, numa entrevista ao jornal Público, que “No século XX americano, houve sempre políticos demagogos: nos anos 1920 tivemos Henry Ford, o magnata dos automóveis, um famoso antissemita que foi citado no Mein Kampf, de Adolf Hitler, como um exemplo e um modelo a seguir — Ford considerou seriamente candidatar-se à presidência dos EUA e era muito popular nas sondagens, sobretudo no Midwest; nos anos 1930, tivemos Huey Long, senador e governador do Luisiana que dizia que o Estado de direito não tinha importância, dizia “eu sou a lei”, que também pensou candidatar-se à presidência, mas acabou por não o fazer; depois tivemos o senador Joe McCarthy, que fez a campanha anticomunista; a seguir tivemos George Wallace, o governador do Alabama racista que se candidatou à Casa Branca. Há uma longa tradição. Podemos aprender com a nossa História, a começar pelos nossos sucessos: como é que nenhum destes homens conseguiu ser Presidente?”.

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