O que se está a passar em França leva-nos a refletir sobre a decisão de voto consciente e informado. Sobre a política interna francesa pouco ou nada sei a não ser a informação que me chega pelos órgãos de comunicação, daí que a minha opinião se centra apenas na forma e não no conteúdo justo ou não das reivindicações aprovadas, apresentadas por meios formalmente pouco democráticos.
Quando Macron foi eleito o povo francês com a experiência que teve com François Holland não quis que o PCF voltasse ao poder e votou no centrista Emmanuel Macron, [República em Marcha partido de Macron], alguém fora dos partidos convencionais, tendo sido eleito em 2017 com 66,10% dos votos, contra 33,90% da candidata de extrema direita Marine Le Pen, na segunda volta das eleições presidenciais francesas.
Os franceses quando votaram Macron não sabiam ao que iam? Um povo que se diz politizado, e é, foi engando por um político sem experiência governativa? Os franceses escolheram sem saber o que escolhiam, ou foi o desaire do período Holland que os levou a eleger um candidato liberal do centro direita sem saber o que faziam?
Direita é direita seja do centro, ou não, mas há diferenças com a extrema-direita a quem deram 33,9% dos votos e que agora, no Parlamento, incentiva e apoia manifestações violentas. Esta espécie de rebelião dos autodenominados “coletes amarelos” agrada à extrema-direita e à extrema-esquerda, a cada um por razões diferentes. Para os franceses Macron terá salvo a França dos socialistas, e agora?...
No meio da rebelião de descontentamento generalizado aproveitado por movimentos inorgânicos de cariz caótico, sem liderança efetiva e onde surgem espontâneos representantes ad hoc para dialogar com o Governo, Marine Le Pen faz o seu caminho e apanha a boleia reivindicando eleições antecipadas. É a extrema-direita em oposição com a própria direita que governa o país!
Estas manifestações que se tornaram violentas, sem horizonte de responsabilidade, são uma ameaça democrática à democracia porque apoiadas pela imaturidade, debilidade, incerteza e impaciência de alguns cidadãos. É um paradoxo ter de proteger a democracia dos cidadãos. A democracia é demasiado importante para ser deixada nas mãos de um povo que se deixa conduzir por movimentos sem liderança e destituídos de qualquer ideologia. Uma espécie de anarquismo dos tempos modernos que reivindicam tudo o que lhes passe pela cabeça sem acautelar consequências.
Há quem faça comparações ao maio de 1968. Parece-me que não, o maio de 68 tinha na sua génese princípios e conteúdos ideológicos nos discursos e na liderança. Atualmente este tipo de movimentos, ditos espontâneos que se tornaram violentos, parecem-se mais com os movimentos juvenis que eram estimulados pela extrema-direita dos nazis na Alemanha no tempo do Hitler, mas, até nesses, existia uma base ideológica.
Uma das palavras de ordem dos manifestantes é a descrença nas elites e fazem reivindicações muitas delas irrealistas e infantis parecendo redigidas por adolescentes em fase de revolta interior e plenas de idealismo que pode ler aqui.
Para os franceses o palco de violência reivindicativa que se instalou em Paris, causador desta constante insegurança semanal, mostra ser mais importante do que o terrorismo vindo de fora que a França tem que enfrentar e combater, pois, parece que grande parte da população apoia estes distúrbios reivindicativos.
Hoje soube-se que o Governo francês recua e suspende aumento dos combustíveis e um tal Benjamim Cauchy dos coletes amarelos diz como se fosse um adolescente a despertar para a autonomia dos pais diz: "Não somos marionetas de políticos que querem continuar a dar-nos lições. E é isso que nos diz a linguagem dos deputados do República em Marcha [partido de Macron] nas declarações que têm feito aos media". Mas que sabem eles de gerir uma Nação, um Estado? E, claro, ontem, segunda-feira, os partidos da oposição foram dizer ao primeiro-ministro, Édouard Philippe, que é urgente satisfazer algumas exigências das pessoas que protestam nas ruas. A oposição aproveita sem esforço a deixa que lhes foi dada pelo movimento. Só que essa tarefa está a ser dificultada pela falta de uma frente unida de interlocutores no lado dos "coletes amarelos", o que faz com que este movimento se coloque numa posição de anarquia sem objetivos políticos bem definidos.
Como escreve Edgar Morin no jornal Le Monde de hoje:
“Nenhum líder, nenhum chefe, nenhuma estrutura, nenhuma ideologia, que reúna o descontentamento, deceções, frustrações, raiva heterogénea e diversa, do aposentado ao fazendeiro, o membro do Encontro Nacional aos jovens urbanos não subjugados.
Mas essa força inicial tornou-se uma desvantagem no momento em que era necessário anunciar um programa de outra forma, pelo menos, uma orientação para reformas, e não remoções fiscais ou a renúncia do presidente. Certamente, várias alegações formuladas por meio de diversas vozes incluem sugestões relevantes misturadas a ideias improvisadas. Mas carece totalmente de um pensamento orientador e tal pensamento levaria a uma divisão entre os componentes heterogéneos de um movimento onde a raiva unida contra o poder são, na verdade, antagónicas entre si. Portanto, qualquer coisa que poderia ser um movimento bem-sucedido pode levar a uma falha final”.
Veja-se abaixo as reivindicações exigidas do tipo caseiro e alguma difícil execução numa democracia liberal e até mesmo socialista. Que partido acham os ditos “coletes amarelos” poderão satisfazer todas estas reivindicações?
Ignorância a quanto obrigas!
- Acabar com os sem-abrigo urgentemente
- Pagamento mais fatiado do Imposto sobre o rendimento
- Favorecer o pequeno comércio nas vilas e centro das cidades (cessar a construção de grandes áreas comerciais em torno das principais cidades, que prejudicam os pequenos negócios
- Mais estacionamento gratuito no centro das cidades
- Que os grandes (MacDonald’s, Google, Amazon, Carrefour...) paguem muito e os pequenos (artesãos, pequenas e médias empresas) paguem pouco
- Sistema de segurança social igual para todos (incluindo artesãos e empresários).
- Fim do aumento do imposto sobre o combustível
- Nenhuma pensão abaixo dos 1200 euros
- Os salários de todos os franceses, bem como as pensões e subsídios, indexados à inflação.
- Proteger a indústria francesa, proibindo as deslocalizações
- Fim do trabalho desvinculado
- Limitar mais o número de contratos a termo nas grandes empresas
- Fim da política de austeridade, interrompendo o pagamento da dívida considerada ilegítima sem fazer cobranças aos mais pobres e arrecadar 80 mil milhões de euros perdidos devido à evasão fiscal.
- Resolução das causas que geram migrações forçadas
- Que os requerentes de asilo sejam bem tratados. Colaboração com a ONU para criar centros de acolhimento em todo o mundo para instalar imigrantes e refugiados enquanto o processo de pedido de asilo decorre
- Implementação de uma política de integração real. Curso de francês, de história de França de educação cívica, com certificação
- Aumento do salário mínimo para os 1300 euros
- Criação de empregos
- Rendas mais baratas, sobretudo para estudantes e trabalhadores precários
- Mais meios para o sistema judicial, polícia e exército
- Todo o dinheiro gasto nas portagens deve ser investido na manutenção e desenvolvimento das estradas
- Como preço do gás e da eletricidade aumentou desde que o sector foi privatizado, pede-se a nacionalização e a redução dos preços
- Mais meios para a psiquiatria
- Incluir o referendo na Constituição e consulta mais frequente do povo a nível nacional e regional
- Voltar ao mandato presidencial de sete anos
- Idade da reforma a partir dos 60 anos e para todos os trabalhadores com trabalho físico a partir dos 55
- Fim do imposto retido na fonte
- Fim dos subsídios vitalícios dos Presidentes
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