Política

Movimentos convocados pelas redes sociais ou o Poder a correr o risco de cair na rua

Portugal sempre foi um país muito permeável ao que vem de fora e, claro, como imitador convicto em tudo não podia deixar de imitar o que se fez em França, país onde os problemas não são comparáveis, e em nada têm a ver com os nossos. Havendo falta de originalidade recorre-se à imitação com movimento organizado, manipulado e manipulador de opinião, onde estará envolvida organizações da extrema-direita como o partido PNR, mas não há a certeza.


Isto leva-me a refletir sobre a relação da política exercida com este tipo de movimentos ditos espontâneos. No dia 25 de abril de 1974 durante o cerco do Quartel do Carmo, quando Salgueiro Maia consegue a rendição de Marcelo Caetano este faz uma exigência: só aceita entregar-se a um oficial de patente superior para que o "poder não caia na rua". António de Spínola foi o homem escolhido. Na altura não havia internet, nem redes sociais como o Twitter e o Facebook.


Hoje em dia o Poder pode, através das redes sociais, correr o risco de cair na rua e as decisões políticas serem pressionadas sem qualquer reflexão. Basta uma convocatória no Facebook por um qualquer grupo de indivíduos, ou “amigos facebookianos” que compartilham os mesmo objetivos para haver uma concentração na rua a reivindicar e a exigir, o quer que seja, sem ponderação sobre as consequências, a não ser as das exigências que satisfaçam os seus pontos de vista que dizem também ser os de todo o povo sem que haja representantes para uma intermediação. Falam em nome do povo, e o povo acolhe essa demagogia populista porque vai ao encontro do seu sentir como uma espécie de epifania. É a constatação do tentar fazer cair o Poder na rua como se verificou em França com os autodenominados coletes amarelos.


Políticos de vários quadrantes face ao mal-estar que se tem gerado relativamente à política e aos políticos, não raras vezes alimentado pela comunicação social, prometem em ocasiões eleitorais uma política de proximidade sem clarificarem o que entendem por isso, cada um tem a sua própria interpretação. Podemos pensar que todos eles se referem a uma aproximação da política às comunidades e às pessoas.


Por sua vez as televisões para captar audiência procuram através de peças ditas de jornalismo de investigação e outras, mais rebuscadas, dirigidas mais à emoção do que à racionalidade dos telespectadores, insinuando oposições aos governos que estão na altura no poder. Diga-se, mais a uns, quando são de esquerda, menos a outros, quando são de direita.  Organizações e grupos de interesses têm contribuído também para debilitar o poder quando este não vai de encontro aos seus interesses.


Veja-se o caso do presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses, Jaime Marta Soares, que incita os bombeiros a manifestarem-se contra a proposta do Governo para a lei orgânica para a Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC), na área da proteção civil que vai passar a chamar-se Autoridade Nacional de Emergências e Proteção Civil e que, segundo ele, não tem nenhuma das ideias apresentadas pela Liga dos Bombeiros Portugueses. A dúvida que se pode colocar é se este confronto com o Governo não será apenas por uma questão de perda de poder que terá sido retirado ao senhor Marta Soares.


Outro tema que causa mal-estar para com os políticos é a fraude e a corrupção que faz gastar nas redes sociais, não rios de tinta, mas rios de tempo e de frases digitadas. Há dias, 5 de dezembro do corrente, saiu um aviso do Tribunal de Contas alertando para “risco de fraude fiscal com viagens de deputados”. O tema sobre as despesas fraudulentas de deputados não é novo e acontece o mesmo noutros países. Por exemplo, no Reino Unido, em 2009, David Cameron o líder dos conservadores na altura, num artigo publicado no The Guardian afirmava que “a fúria pública no escândalo das despesas dos deputados aponta para problemas profundos no sistema político britânico” e apelava para restaurar o controle local. Mais à frente acrescentava: “Portanto, acredito que o objetivo central da nova política de que precisamos deve ser uma redistribuição massiva, ampla e radical do poder: do Estado para os cidadãos; do governo ao parlamento;”.  “Por meio da descentralização, transparência e responsabilidade, devemos tomar o poder da elite e entregá-lo ao homem e à mulher na rua.”.


Aquelas afirmações parecem ter vindo de um qualquer extremista de esquerda, mas sabemos que era pura demagogia. Numa tentativa de transparência Cameron ao fazer um referendo de consulta ao povo sobre a saída ou permanência na União Europeia tramou-se, tramou o Reino Unido, e o povo tramou-se também ao votar SIM.


Vem isto a propósito da política de proximidade e vontade para que haja o menos possível de intermediação. As redes sociais passaram a ser a tecnologia da proximidade entre políticos e o povo muitas vezes inculto e iletrado, mas que maneja com à vontade as tecnologias dessas redes com as quais o poder tende agora a comunicar.


Julga-se que esta é uma nova onda democratizadora com base nas novas possibilidades comunicativas. Com mais acesso à informação as pessoas adquiriram mais capacidade de conhecimento antes apenas na posse de especialistas com autoridade indiscutível. Daí que a transparência e o acesso à informação imediata e ao conhecimento podem levar a que nas redes sociais se chame a atenção para um estado insuportável de coisas para as quais é necessária a mobilização popular, o que não basta.


Para que se cumpra a democracia em contextos como este também é necessária uma representação e o assumir de compromissos, isto numa base de democracia representativa construída entre povo e governantes para que funcione uma lógica de proximidade q.b. que obrigue os políticos a manter-se em contacto com os cidadãos. Em convocações de mobilização popular nas redes sociais sem representantes quem vai negociar? Quem vai assumir quaisquer compromissos? Quem diz ao que vai? Ninguém. Todos querem tudo, cada um à sua maneira e esquecendo o país como um todo e colocando na dianteiros interesses individuais e particulares dissimulados por falsas atitudes coletivas.


Em França Macron capitulou. Deu tudo. Não se sabe é onde vai buscar o dinheiro para tudo quanto prometeu aos “revoltantes” coletes amarelos. Será que não ficou fragilizado e outras reivindicações sem fim aparecerão?  A culpa do estado a que a França chegou com o governo neoliberal de Macron não terá sido dos mesmos que agora contestam as suas políticas e que o elegeram com 66% dos votos? O povo parece então não saber o quer quando vota ou, então, deixa enganar por lhe faltar literacia política que eu penso os franceses terão perdido. Se me perguntarem se estou do lado de Macron direi que não, mas também não estou do lado de movimentos inorgânicos sem liderança ou com lideranças ad hoc feitas ao momento. Contudo, é um facto que a maioria das conquistas sociais não foram antecipadas pelo poder político, mas sim o resultado de pressões sociais concretas o que apesar disso não podemos ficar deslumbrados com a espontaneidade popular ao ponto de se concluir que quem protesta tem sempre razão.


O editorial do jornal Le Monde de hoje sintetizava: “Confrontado com as teorias da conspiração que abundam nas redes sociais, é necessário incentivá-los a desenvolver o pensamento crítico, a fim de evitar que este fenómeno anda a minar o funcionamento da democracia.”. Ora é aqui que bate o ponto.


Para amplos setores da população a realidade representada pelos partidos deixou de ser atrativa ao mesmo tempo que a cultura virtual da rede lhes permite articular comodamente as suas disposições políticas fluídas, como o são as convocações de movimentos espontâneos sem liderança e intermitentes, e inclusive situar-se online em qualquer momento bombardeando o sistema político com exigências de todos os tipos. A falta de liderança é apenas aparente visto que por detrás deles se encontram certas ideologias das extremas políticas que os incentivam.


Estes movimentos querem ser antipolíticos fazendo política e puxam o povo para a rua em contrapartida aos atores políticos que apenas em tempo de eleições se desdobram numa atitude forçada para saírem dos seus gabinetes e aparecerem junto do povo como se isso fosse a prática que sempre tiveram, quando é por demais reconhecido que apenas o faziam em período de campanha eleitoral. Partidos políticos do arco da governação e da oposição dita tradicional, que fazem parte da esfera do poder querem passar a ideia de que estão em sintonia com o povo competindo freneticamente para ver quem faz melhor com slogans esgotados e/ou reagindo a ideias e propostas alheias, apresentando-as com novas roupagens como sendo suas, e tentando promover uma conduta imaculada.


Hoje a direita através da comissão do PSD para a Reforma do Sistema Político e Eleitoral desafia os militantes do partido a enviarem os seus contributos para “construir um PSD 4.0  Sem se referir a medidas concretas, Pedro Rodrigues defende a introdução de "uma urgente reforma da lei eleitoral, de forma a potenciar a aproximação entre os eleitos e os eleitores”.


Os políticos dos partidos quando se encontram na oposição, assim como jornalistas e comentadores, pretendem convencer os potenciais eleitores de que quem está no Governo deve fazer uma política de proximidade e ter a capacidade de ubiquidade. Isto é, a proximidade presume a obrigação de os governantes parecerem próximos e terem a arte e a qualidade de estar ou ir a todo o lado. Como exemplo cito Assunção Cristas que criticou António Costa por não ter ido a Borba no caso do acidente da pedreira ou o desagrado de alguns quando o Presidente da República Marcelo não pode estar quando o convidam por tudo e por nada.


A democracia representativa não é antagónica com os vínculos sociais e políticos da proximidade, escutando os cidadãos e as suas preocupações e expectativas superando os efeitos do fosso entre eleitos e eleitores, privilegiando uma aproximação concreta, precisa às realidades da diferente posição dominante das tarefas do Estado. Não fazendo essa tentativa surgem movimentos manipulados e manipuladores que obrigam os políticos a ouvi-los.


A distância entre os governantes e o povo foi encurtada com o acesso às redes sociais. Os governantes quando pretendem enviar mensagens ao momento não contam já com os órgãos de comunicação que tardam por horas ou dias a divulgar a informação. As redes sociais são mais rápidas e as mensagens podem ser acedidas em qualquer hora ou lugar através de um simples telemóvel no momento em que foi colocada. Não é por acaso que líderes de governos usam e abusam da sua utilização com as mais diversas finalidades. É o caso do Presidente Trump nos EUA que faz política através de curtos comunicados, por vezes com verdades distorcidas ou até meias verdades que induzem falsas conclusões.


As redes socais passaram a ser “territórios” de proximidade e de exibicionismos político como é o caso de Trump EUA que abusa do Twitter como uma espécie de ferramenta para fazer truques de ilusão da sua política. Através destes meios a opinião pública pode ser manipulada, mesmo sem ser através das “fake news”. Com a proximidade através das redes sociais há a possibilidade de encenação.


Com as redes sociais passou a existir uma ligação íntima entre conversas e publicações informais, próprios das comunidades reais e virtuais, e a capacidade de auto governação de grandes grupos sociais sem a necessidade de monarcas ou ditadores e que passaram a fazer parte da esfera pública isto é, o domínio da vida social onde se forma a opinião pública. Há ainda porções da esfera pública quando as pessoas se reúnem para falar e para tratar de diversas questões de interesse geral sem estarem sujeitos a constrangimentos por estar garantida a sua liberdade de reunião e expressão de ideias.


Mesmo sem a proximidade ilusória das redes socias a proximidade real é também artificial, tem muito de encenação, traduzindo-se numa impressão de proximidade produzida pelas estratégias dos partidos. Mais uma vez recorro ao exemplo da líder do CDS/PP, Assunção Cristas, que faz por aparecer em teatros de operações, nomeadamente de tragédia, fazendo confundir proximidade com notoriedade e visibilidade nos que os órgãos de comunicação ajudam a construir. Produz-se assim um efeito de proximidade que é uma encenação de falsa familiaridade sobretudo a partir do momento em que ela pode ser produzida através dos meios de comunicação.

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