Penso não haver ninguém que não considere os EUA como um regime
democrático, excetuando, claro está, os radicais comunistas ortodoxos. Mas vejamos
os factos no que se refere a Donald Trump.
As afirmações que ele tem feito ao longo do seu mandato
apontam num sentido oposto à democracia, isto é, a tomada de poder em direção a
uma potencial ditadura reforçadamente autocrática por via administrativa e
posteriormente criar uma dinastia colocando em altos cargos familiares
próximos.
Donald Trump não
escondeu a sua estratégia. No fim de setembro, admitiu publicamente o objetivo
de nomear à pressa a juíza ultraconservadora Amy Coney Barrett para o Supremo Tribunal
a fim manter e reforçar a ampla maioria conservadora no tribunal para julgar
eventuais questionamentos sobre o resultado da eleição.
Aliás, ele tem o objetivo ao lançar dúvidas sobre a
integridade da eleição ao afirmar, sem apresentar provas, que a votação por correspondência
levará a fraudes. Mas o certo é que a prática do voto por correspondência é
muito comum nos EUA e foi intensificada este ano devido à pandemia. Trump não
esclarece também se vai aceitar uma derrota em favor de Joe Biden, pressiona e
pretende fazer uma guerra jurídica na disputa do poder.
Para ser reeleito Trump aposta no tudo ou nada colocando a
democracia americana sujeita ao maior teste de stresse desde há mais de desde
há 155 anos, data da guerra civil em que os sulistas participaram para lutarem
a favor da manutenção da escravidão.
Penso que é consensual, de acordo com analistas políticos
dos EUA, que Trump tentou enfraquecer a democracia em atos sistemáticos que
ganharam mais força com a proximidade das eleições. A maneira como Trump
desafia abertamente as normas democráticas não tem precedente nos EUA. Trump
tem pretensões de criar uma crise institucional. Tem feito acusações de suposta
fraude eleitoral, na tentativa de minar a vontade dos eleitores ao saber que as
sondagens não estavam a inclinar-se para o seu lado.
Pelas informações que nos chegam pela comunicação social dos
EUA a sua resposta ao coronavírus colocou em risco a saúde e o bem-estar do
país. As suas mentiras tornaram-se em mentiras amplificadas pelos seus irresponsáveis
adeptos nas redes sociais e que representam problemas terríveis para o país e
para as pessoas que desconhecem a verdade dos factos.
A atitude de Trump tem-se refletido, não apenas na imprensa americana,
mas também na estrangeira, que se resume, como
citou o jornal francês Le Monde em editorial, após o primeiro debate
presidencial, em “Quatre ans de trumpisme ont largement contribué à
fragiliser l’une des plus grandes démocraties du monde. C’est une leçon pour
toutes les autres” (Quatro anos de trumpismo contribuíram largamente para
fragilizar uma das maiores democracias do mundo. É o declínio de uma das
maiores democracias do mundo).
O jornal britânico Financial Times num artigo publicado com o
título "Imagem democrática dos EUA está a sangrar", escreveu que a
"reputação
em declínio do país pode ser avaliada e medida" e que “que menos de um
terço dos franceses e alemães têm uma visão favorável da América. Com 41% de
vantagem, a opinião da Grã-Bretanha sobre os EUA era uma baixa recorde. O
impacto de Trump é ainda mais forte. Apenas 16 por cento do mundo confia no
presidente dos Estados Unidos para fazer a coisa certa, ainda menos do que os
19 por cento que pensaram isso sobre Xi Jinping da China. A alemã Angela Merkel
obteve uma avaliação positiva de 76%. As pesquisas foram realizadas bem antes
do debate presidencial desta semana”.
Pelo que conhecemos desde a sua posse, em janeiro de 2017,
Trump tem gerido o governo como se fosse uma das suas empresas seguindo o comportamento
típico dos novos líderes populistas, que não têm provocado ruturas democrática
repentina, mas vão minando as instituições, agindo de maneira cada vez mais
autoritária. Vejam-se os casos europeus em alguns países do leste.
Para conhecermos as atuações de Trump ao longo do seu mandato
basta fazer algumas pesquisas na imprensa internacional. Um dos casos mais
divulgados, em dezembro de 2019, quando foi considerado como o terceiro
presidente da história americana a sofrer um processo de impeachment, ao
ser acusado de abuso de poder por ter pressionado o líder da Ucrânia a
investigar Biden em troca da libertação de verbas para ajuda militar e de, quando
foi descoberto, ter obstruído as investigações. O governo sob a sua tutela
atuou ainda para que testemunhas importantes não fossem ouvidas e, em janeiro,
foi absolvido por um Senado muito polarizado pela maioria republicana que têm interesses
em que ele se mantenha no poder devido a privilégios concedidos.
Segundo os artigos publicados os estragos na democracia americana
foram tantos que o novo presidente terá muito trabalho ao ter que enfrentar de
facto a Covid-19, a crise económica, as questões raciais, de imigração e
ambientais.
Quanto à economia dos EUA Joseph Stiglitz, Prémio Nobel de
Economia, escreveu um artigo em janeiro de 2020, também publicado
pelo jornal Expresso onde colocava a verdade sobre a economia de Trump.
Stiglitz afirmou em certa altura: “Para se obter uma boa leitura da saúde
económica de um país, tem de se começar por analisar a saúde dos seus cidadãos.
Se forem felizes e prósperos, serão saudáveis e viverão mais tempo. Neste
aspeto, entre os países desenvolvidos, os Estados Unidos estão no final da
lista. A esperança de vida nos EUA, já relativamente baixa, caiu nos dois
primeiros anos da presidência de Trump e, em 2017, a mortalidade na meia-idade
atingiu a taxa mais elevada desde a Segunda Guerra Mundial. Isso não é uma
surpresa, porque não houve nenhum presidente que se tenha esforçado tanto para
garantir que mais americanos fiquem sem seguro de saúde. Milhões perderam a
cobertura do seguro e a taxa de pessoas sem seguro aumentou, em apenas dois
anos, de 10,9% para 13,7%.
Um dos motivos da diminuição da esperança de vida nos Estados Unidos é o que Anne Case e o economista vencedor do prémio Nobel, Angus Deaton, chamam de mortes por desespero, causadas por álcool, overdose de drogas e suicídio. Em 2017 (o ano mais recente para o qual existem dados disponíveis satisfatórios), essas mortes foram quase quatro vezes mais do que em 1999.” Pode consultar aqui o artigo.
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