Texto também publicado pelo autor no blogue A Propósito de tudo
Com Portugal
centrado no combate à pandemia covid-19 os órgãos de comunicação social, especialmente
as televisões, focam-se exageradamente neste problema ultrapassando o nível da
informação necessária, imprescindível e preventiva, consumindo com exagero de tempo
e de espaço dedicado, por vezes com casos e casinhos, mais ou menos pontuais,
com que vão preenchendo as suas edições.
As eleições
nos EUA, a tomada de posse da nova administração da Casa Branca, a saída de
Trump atribulada e machadada na democracia pela incitação aos seus adeptos radicais
para invasão à violência no Capitólio.
Por cá, as
eleições presidenciais aliviaram, embora pouco, as notícias covid-19. Com o rescaldo das presidenciais no dia 25 de
janeiro passou ao lado o discurso do Secretário Geral da ONU, António Guterres,
no dia em que foi assinalado o 76.º aniversário da libertação do campo de
concentração de Auschwitz-Birkenau. Guterres chamou a atenção para o facto de
que «Após décadas na sombra, os neonazis e as suas ideias estão a ganhar
terreno» e pediu uma aliança internacional coordenada contra o crescimento do
neonazismo e da supremacia branca, xenofobia, antissemitismo e discurso do ódio
provocado em parte pela pandemia de covid-19.
Guterres recordou
o que há muito anos é sabido: quase dois terços dos jovens norte-americanos não
sabem que seis milhões de judeus foram mortos durante o Holocausto. Alertou ainda
para a necessidade de «combater a propaganda e a desinformação» tendo apelado para
uma maior educação sobre as ações nazis durante a Segunda Guerra Mundial.
«A
propaganda que liga os judeus à pandemia, por exemplo, acusando-os de criar o
vírus como parte de uma tentativa de dominação global, seria ridícula, se não
fosse tão perigosa», salientou.
Não seria
necessário conhecer as palavras do Secretário Geral da ONU, bastava-nos
acompanhar o que grupos e adeptos de partidos extremistas divulgam nas redes
sociais. O que dizem é tal que, qualquer mente minimamente racional e com algum
tino intelectual, aferiria a irracionalidade e a quantidade de mensagens e de “publicações”
de tal modo grotescas e inverosímeis que mais parecem ter saído de uma ficção
de baixo nível.
O discurso de
ódio não se faz apenas via redes sociais ou blogs. No nosso país, embora com
palavreado disfarçadamente menos violento, temos exemplos ao vivo e a cores
desses discursos via alguns partidos políticos legalmente aceites que utilizam
a nossa democracia para fazerem passar as suas mensagens na tentativa de lançar
explorar antagonismos entre cidadãos.
Durante a
campanha eleitoral para as presidenciais vimos e ouvimos candidatos das
esquerdas incluindo a mais moderada pedir a ilegalização do partido Chega
representado por André Ventura. Esta atitude parece-me ser quase uma apologia ao
partido pois poderá levá-lo a ostentar a
sua vitimização. Não parece ser esta a via. Aliás, no campo das ideias é tal a falta
de base daquele candidato que se torna impossível ter um debate político
coerente e minimamente são.
O tipo de propostas
que o partido Chega tem para apresentar em termo de ideias é de tal modo sem
robustez e coerência que não se compara com a potencial de perigosidade dos
seus congéneres europeus, contudo, não devemos subestimá-lo. A democracia deve
estar atenta porque os que se candidatam, ou dizem candidatar-se, contra o
sistema vão depois abraçá-lo e até impor com “zelo” a sua sobrevivência através
de modelos monolíticos, mais ou menos disfarçados de democracias.
É perigoso ainda
porque o complexo dos messias em Portugal, ainda está vivo em alguma parte das
populações, mesmo em pessoas bem-intencionadas, que veem o seu mundo a desmoronar-se,
o seu ambiente a tornar-se imprevisível e a aumentar o seu desejo de ordem e de
previsibilidade.
A próxima década
vai ser perigosa porque, se tudo falha, políticos, liderança, U.E., erupções de
forças obscuras que estavam latentes e que se vêm exteriorizando, podem vir a
agitar-se entre nós. Como já ouvimos muitas vezes a democracia não está garantida.
Veja-se o exemplo recente do que aconteceu nos EUA, um dos países onde a
democracia estava há muito instalada, e onde uma tentativa da tomada do poder por
um presidente com forte tendência para o autoritarismo que se servia da
democracia para finalidades pouco democráticas.
Em julho de
1979, quatro após ter-se dado a Revolução de Abril em portugal, o
The New York Times relatava que «Depois de mais de três décadas
de hibernação, pequenos, mas influentes grupos de direita em França estão
novamente a procurar o centro das atenções intelectuais, expondo teorias sobre
raça, biologia e elitismo político desacreditadas pela derrota do fascismo na
Segunda Guerra Mundial». E continuava, «Ao contrário de seus
predecessores na década de 1930, os novos grupos de direita mostram pouco
interesse em criar movimentos políticos de massa. Nem assumiram abertamente posições
anti-semitas. Em vez disso, escolheram influenciar o curso da política,
trabalhando ao lado de figuras centristas e conservadoras estabelecidas no
governo e no parlamento». O sublinhado é meu porque esta última frase é
de reter.
Para essa
gente um dos argumentos é que as raças nasceram desiguais e assim deveriam ser
mantidas pela política social. Estes e outros argumentos com a mesma orientação
também os ouvimos nos últimos quatro anos nos EUA. Já ouvimos, por outras
palavras, algo semelhante no nosso país.
Em síntese,
o aparecimento da exigência de “liderança mais forte” coincide com o recrudescimento
de grupos apologistas de regimes autoritários que esperam aproveitar com o potencial
ou eventual colapso dos governos representativos baseando-se no mito da destruição
do sistema (dizem-se antissistema) e a vantagem da eficiência autoritária.
Muitos ainda
acreditam na esperança de um messias, um salvador, que nos livre dos ciganos, dos
imigrantes, dos negros, nos retirem todos os subsídios, na baixa ou eliminação
de impostos, e que apele a todos os insatisfeitos, vingativos, descontentes, enfim,
aos que apelam ao ódio. Veja-se que
isto não é tão inverosímil como possa parecer. Esta semana veio a público uma
notícia sobre uma nova
congressista do Partido Republicano nos EUA, Taylor Greene, que difunde
teorias da conspiração e apela à morte de figuras do Partido Democrata o que torna
evidente o que poderá acontecer noutros países, nomeadamente no nosso se as
posições se extremarem ou polarizarem. Estão a regressar os movimentos racistas,
xenófobos e étnicos que atuam a descoberto. Entretanto o Partido
Republicano condenou as ameaças e as teorias da conspiração propagadas pela
congressista Marjorie Taylor Greene, mas o Partido Democrata considerou que
isso era insuficiente e afastou-a dos seus cargos em duas comissões de
trabalho.
De vez em
quando, e quando se entra em crise política e de governabilidade alguns
analistas e comentadores de política falam na crise mundial da democracia e da
sua capacidade de resolução de problemas e sobre o desafio a que está a ser
sujeita a democracia. Por enquanto esses oráculos da desgraça não têm tido
razão, os poderes democráticos têm conseguido resolver e ultrapassar as crises.
O processo
já é por demais conhecido, fala-se mal dos políticos, da corrupção, do
exagerado número de deputados, sobre a política parlamentar que está em crise, que
a Assembleia da República está a falhar e que não está a responder às
expectativas do povo. Estes e outros são argumentos da extrema direita e dos populistas
tendo em vista a desestabilização e a descredibilização da democracia, daí a necessidade
de um esforço para um diálogo sério entre forças da esquerda, do centro e da direita
moderada para delinearem, em contexto democrático, estratégias e consensos para
resolução de problemas económicos, financeiros e, sobretudo, sociais, de modo a
retirar a esses partidos da extrema direita o seu campo de manobra populista.
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