Política

A propósito de: quem sou eu para comentar?

 

O início deste novo ano tem a particularidade de ser um ano de eleições legislativas logo no primeiro mês. A campanha pré-eleitoral já foi iniciada e prevê-se que irá “incendiar-se”. É a campanha do tudo ou nada para os dois principais partidos do regime o PSD e o PS.

Este primeiro mês do ano será rico para comentadores e analistas políticos, cada um vendendo o seu peixe tendenciosamente para a direita ou para a esquerda.  Fora do meio em que se movem sinto-me pequenino. Mas quem sou eu para comentar o que doutos comentadores, professores catedráticos, experimentados políticos, conceituados jornalistas, analistas políticos (uma epidemia que prolifera nos canais de televisão), sindicalistas, bastonários de ordens profissionais que fazem política partidária, cientistas, e muitos outros. Uns, sentados nos bancos do serviço público, outros movendo-se no mundo de instituições privadas, mas que escrevem e proferem certezas sobre tudo nos vários órgãos de comunicação social, da imprensa à televisão, até sobre o que não dominam. Lançam “sabedoria” que o público admira e consome sem crítica, sem reflexão, numa espécie de paixão clubista conforme simpatias ideológica.

Tais analistas e comentadores são conhecidos, sobretudo, pelos seus prognóstico e oráculos. Lançam para o público informações obtidas através de canais privilegiados e informais e de fontes oriundas de amigos do governo ou de fora dele.  Conjetura-se que transacionem informações sobre processos de investigação criminal em segredo de justiça e, como troca, tu dás-me isso e eu pago-te com aquilo.

Para os que não têm amigos e conhecidos em postos chave há os que lhes fazem chegar às mãos informações privilegiadas para de seguida emitirem opiniões escritas ou verbalizadas de algo que desconhecem sobre pessoas públicas que têm uma reputação a defender. É extraordinário que ninguém lhes pergunte pelas provas do que afirmam com tanta certeza, que ninguém pergunte onde estão os factos que justificam as suspeitas, enfim, que ninguém pergunte nada. 

Parece-me vir a propósito a forma como vejo de fora a imprensa e a televisão formatarem e lançarem para o público informação editada com montagens indutoras. Por muito que se diga o contrário os media e os jornalistas são atores políticos que muitas vezes seguem subtilmente agendas partidárias ou ideológicas consequentes com especificidades editoriais. Por muito que não se queira muitos deles mal-escondem serem a “voz do dono”. Claro que isto são meras suposições tiradas de observações várias.

A relação entre os órgãos de comunicação social de massas, os chamados media, e a política acentuou-se consideravelmente, e de tal forma, que é impossível conceber a política sem a existência de um ambiente jornalístico. É por isso que se nota da parte dos políticos, sobretudo quando no governo, o empenho de esforços para controlarem as margens de incerteza resultantes de um relacionamento dinâmico com a opinião pública.

No que respeita à comunicação com o público, ou melhor, com os eleitores a ferramenta mais eficaz é a televisão. No entanto as televisões são mediadas/conduzidas por jornalistas e, em última análise, por empresas mediáticas que se orientam por valores e princípios distintos daqueles que são defendidos pelos outros poderes democraticamente eleitos. Destes princípios distintos nasce uma tensão latente entre os media e o poder político, sobretudo quando este não merece o seu aplauso. Isto passa-se quando um ou mais órgãos de comunicação avaliam um qualquer candidato como não sendo o preferencial, seja a líder partidário, a ministro ou a primeiro-ministro de um governo.

O desagrado com políticos, práticas políticas, governo ou primeiro-ministro pode manifestar-se em ataques cerrados por parte do media. É frequente nas televisões a insistência diária e sistemática sobre um mesmo assunto com incidência nos aspetos negativos de uma qualquer figura pública da política, atuação ministerial, mau funcionamento de instituições e falhas em determinada área de modo a colocar em desfavor a opinião pública e escudando-se no denominado escrutínio do poder. Omitindo tudo quanto se faça ou diga de positivo e mereça elogio. Enfim, para os media o que mais interessa é o “homem que mordeu o cão”.

Em democracia o escrutínio do exercício político dos governos e do poder político, são uma das mais importantes e legítimas funções do jornalismo. Mas a liberdade de imprensa não é um privilégio dos jornalistas, mas sim uma condição da liberdade de expressão dos cidadãos visto estes só poderem captar um conjunto muito limitado de acontecimentos.

Os jornalistas não foram eleitos nem representam oficialmente ninguém, mas têm um contrato informal com os cidadãos numa espécie de procuração que lhes confere o dever de zelar pelo cumprimento dos valores democráticos e denunciar as suas falhas, através de uma informação isenta e verdadeira. Sublinho isenta porque considero ser óbvia a verdade e a isenção no jornalismo sério.

Por vezes alguma comunicação social atua tendenciosamente através da procura e da insistência em factos marginais para desacreditar na opinião pública um cidadão ou um poder político porque pertencem a uma dada área partidária e ideológica que pretendem atacar.

Um caso evidente e atual e que dou como exemplo do que refiro são as falhas nos serviços de saúde públicos, tema sensível para a opinião pública, que diariamente têm sofrido ataques e críticas que foram salientados durante o atual Governo mesmo durante a contingência das vagas da crise pandémicas.

Os meios de comunicação não devem omitir os problemas que se passam no SNS que acho devem ser noticiados nos limites do bom senso e do não alarmismo. Alguns dos problemas no interior dos serviços do SNS que nos chegam enquanto telespectadores deixam a perceção de que são por vezes organizados para criar instabilidade sobre o sistema com as ordens a dar uma ajuda com os seus comentários. Mas, quando o poder pertence a uma área ideológica da direita os mesmos media manifestam mais complacência para com os problemas detetados e dados como notícias marginais quando não omitindo.

Vejamos um caso paradigmático durante o Governo PSD-CDS, era Passos Coelho primeiro-ministro. Durante esse período órgãos de comunicação afetos à direita que, pressurosamente, publicam notícias, comentários e opiniões favoráveis omitiam ou faziam timidamente passar para a opinião pública os reais problemas na altura.

Situemo-nos então no caso do SNS ao tempo do Governo de Passos Coelho. Em janeiro de 2015 Passos justificava que a qualidade do SNS não podia ser aferida pelas falhas registadas que coincidiram com o período de crise no país e reconhecia que a pressão e o escrutínio mediático criavam muita pressão.  Sobre o agravamento nas urgências hospitalares, Passos dizia na altura que "não se confunda o que se está a passar, se passa em Portugal" com o que "se tem passado noutros países" de "uma forma anormal, desafiando a capacidade instalada e a qualidade dos profissionais". A justificação era passada como válida pelos media.

Apesar da pressão real causada no SNS pela pandemia covid-19 o que hoje se verifica é que sindicatos, ditos independentes, dos médicos, ordem dos médicos e dos enfermeiros juntam-se para fazerem coro nos órgãos de comunicação que diariamente emitem as suas “propagandas” como forma de atacar o ministério da saúde, o SNS e, em última instância, o Governo.

Também em janeiro de 2015 durante o mesmo Governo de Passos Coelho num debate na Assembleia da República com o primeiro-ministro a dirigente do BE Catarina Martins criticava Passos por não ter apresentado "uma única medida que o Governo tenha tomado para contrariar o descalabro na saúde", recebendo apupos da bancada do PSD. Acrescentava então: "Poupou-se despesa no SNS, mas não se pouparam vidas e isso não se pode desculpar a um Governo". Foi esta a intervenção da dirigente da extrema-esquerda durante o debate quinzenal no parlamento: "Quero saber de que cortes na despesa é que se orgulha, três dias antes de ter morrido uma pessoa sem assistência no Hospital de Santa Maria, a diretora das urgências disse que não tinha meios, nós temos pessoas a morrer nas urgências sem assistência".

Ainda durante o Governo e durante a campanha para as eleições autárquicas o sinal dado pelos órgãos de comunicação para as criticas ao SNS apoiadas pelas ordens dos médicos e do sindicato independente dos médicos, que passaram a fazer política partidária, foram reforçadas em junho do ano passado por Passos Coelho. Segundo a TSF, numa intervenção de mais de 50 minutos na primeira fila acompanhado pelo candidato à Câmara de Lisboa Carlos Moedas, encontrava-se Passos Coelho que apontou "um paradoxo" à esquerda no domínio da saúde em particular. "Seria imperdoável que a esquerda, que diz que é uma espécie de 'alma mater' do SNS o esteja a desqualificar desta maneira e que seja a o que se chama de direita sempre a tentar salvar a situação e ver se lhe consegue dar sustentabilidade". Criticava o que o que chamou de "estatização" do SNS, que considera ter resultado na falta de atração dos profissionais e na degradação de equipamentos e serviços prestados.

Durante a apresentação do livro de um militante do PSD este afirmou que Passos nunca cortou no SNS. Em janeiro de 2021 no jornal Observador o dito militante apresentou uma série de generalidades e medidas avulso como medidas tomadas por Passos Coelho para melhorar o SNS que iam da “manipulação inteligente do sistema informático”; “que pôs todos os médicos a receitaram por princípio ativo genérico”, e na poupança em exames e medicamentos sem interesse clínico efetivo, “alargou os horários dos médicos para 40 horas, aumentando assim a oferta de mais horas médicas e poupando em horas extra, que pode ler aqui, coisa que os médicos posteriormente contestaram. Recordo-me daquela altura em que os médicos de família com receio reduziam os medicamentos e os exames aos utentes ficando sem meios de diagnóstico eficazes como aconteceu comigo e muitos outros.

Recorde-se ainda a propósito que em 2008, durante o Jornal Nacional da TVI, em campanha para a liderança do PSD Manuela Ferreira Leite e Passos Coelho, candidatos à liderança do PSD, declaravam-se a favor do fim do Serviço Nacional de Saúde (SNS) tendencialmente gratuito para todos, defendendo que sirva quem tem menos recursos e reforçava Passos e acrescentava então que "Eu concordo com este princípio de acabar com a universalidade na área da saúde e não só". Isto era a proposta para um SNS para pobres e outro para ricos.

Construída numa base de análise e de reflexão a minha observação ao longo dos anos mostrou-me que os órgãos de comunicação social, muitas das vezes por omissão, são mais condescendentes com as falhas e os erros dos governos de direita e são ávidos predadores quando são governos do Partido Socialista, único partido do centro-esquerda no poder nas últimas décadas. Esta atitude molda, de forma mais ou menos direta, a perceção que cada um de nós tem da realidade em que se insere, deixando os jornalistas de serem mediadores e transformarem-se em contrapoder e em produtores de opinião pública.

A perceção pode ser uma armadilha tramada. Mesmo quando os factos nos dizem sustentadamente uma coisa, somos capazes de construir sólidos castelos de areia a sustentar o contrário, se para isso estivermos inclinados, ou se para aí formos levados.

O jornalismo tem o poder de contribuir para mudar o rumo dos acontecimentos e alterar mentalidades. Há jornalistas que ultrapassam o papel de mediadores e tendem a transformar-se em produtores de opinião pública tendencialmente ideológica e até partidária. Há que por isso estarmos atentos e deixarmos de ser apenas assimiladores de opiniões que nos possam levar a ser manipulados.


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