Política

Atirar aos juízes como alvos pode tornar-se num desporto

 

Raramente tenho escrito sobre o caso José Sócrates e a Operação Marquês porque as opiniões sobre factos complexos da competência da justiça só devem ser dadas quando se tem pleno conhecimento das causas e dos factos. Este não é caso. Quem estiver disposto pode pesquisar neste blog onde me refiro a José Sócrates. 

O tiro à justiça apenas interessa aos populistas de extrema-direita que dizem não serem do sistema, que estão contra o sistema, mas que dele lá se vão alimentando e vê-se que tem dado alguns frutos.

 Embora com algumas cautelas, não tenho dúvidas de que José Sócrates e outros terão sido intervenientes ativos em movimentos de corrupção. A isto acrescento a má governação e os desmandos feitos com os dinheiros públicos com o beneplácito do então seu ministro das finanças Teixeira dos Santos que se manteve na função apesar de posteriormente ter justificado que teria avisado o primeiro-ministro da situação financeira do país. Pode ser, mas manteve-se até ao fim conivente com a situação.

Apesar da minha convicção não me posiciono num ponto de vista de instrumentalização política de caso judicial ou do sistema judicial através de um justicialismo veiculado pela opinião publicada e pelas opiniões de rua.

A pronúncia do juiz Ivo Rosa sobre a Operação Marquês veio animar a comunicação social que andava há mais de um ano a mastigar arrastadamente a covid-19 e a vacinação. Finalmente algo de novo e já esperado aconteceu, logo opiniões divergentes, ávidas por clamação, vieram para a cena pública.

Desde que o juiz Ivo Rosa tomou conta do processo, e por desde logo não se terem verificado fugas de informação, as emoções, entretanto forçadamente contidas, ressurgiram e ficaram ao rubro ofuscando a racionalidade que foi subjugada pelos desejos de vinganças contidos e não satisfeitos, fomentados por alguma imprensa que esperou pelo grande momento que confirmasse na integra as suas suposições e indícios, mas que, afinal, lhes criou alguma frustração. Aliás não seria de esperar outra coisa dado uma fase de instrução que se transformou numa inadmissível mimetização do julgamento, que passou a ser uma repetição de algo passado antes do 25 de abril.

Surgem agora os justiceiros, incentivados pela comunicação social ao longo do tempo, que veem a justiça como algo que deva cair na rua para julgamentos populares emocionalmente fabricados. Estes não pretendem uma “justiça justa”, pretendem uma revanche por factos que não são mais do que indícios e não terão sido confirmados, nem comprovados com matéria de prova. Durante meses a fio fizeram-nos acreditar na fidedignidade do que, afinal, dificilmente poderia ser comprovada.

Li em tempos, não me recordo onde, das dificuldades de obtenção de prova nos crimes de corrupção passiva e ativa. A justificação era dada pelo caráter oculto e indireto com que estes tipos de crimes são praticados, dada a sua prática em locais acessíveis apenas aos próprios agentes da corrupção e ao recurso a várias pessoas o que faz diluir a relação entre o corruptor e o corrompido. As vantagens pedidas e acordadas numa tendencial comunhão de interesses, faz com que as verdadeiras intenções dos agentes sejam dissimuladas, dificultando a prova do seu real e efetivo significado. Se há dificuldades na obtenção de prova a recolha dos indícios suficientes da prática dos crimes de corrupção passiva e ativa, não passam apenas de indícios. E pareceu-me ser aqui que Ivo Rosa se baseou.

Todavia, por pesquisas que efetuei importará aos juízes acautelarem as situações de eventual arbitrariedade no proferimento de sentenças, (este caso ainda não se tratou de uma sentença), nomeadamente, por via de um maior preciosismo e rigor no cumprimento da obrigação legal de fundamentação está prevista no artigo 374.º, 2 do CPP que concretiza:

“1 - A sentença começa por um relatório, que contém:

a) As indicações tendentes à identificação do arguido;

b) As indicações tendentes à identificação do assistente e das partes civis;

c) A indicação do crime ou dos crimes imputados ao arguido, segundo a acusação, ou pronúncia, se a tiver havido;

d) A indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada.

2 - Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

Então, a pronúncia da decisão instrutória da Operação Marquês segundo o Juiz Ivo Rosa parece estar aqui contida neste artigo.

Não sendo conhecedor dos aspetos jurídico, contudo, fico perplexo, talvez por ignorância da minha, no que subsiste nos que consideram não terem sido aceites os três crimes de fraude fiscal, de que José Sócrates estava acusado, porque o juiz considerou “inexiste qualquer norma legal no nosso ordenamento jurídico que imponha a um cidadão a obrigação de declarar, em sede de IRS, os proventos obtidos com o cometimento de um crime”, e neste caso houve opiniões contraditórias e algumas que consideraram de imediato tratar-se de “um erro”.

Sobre direito sou de fracos conhecimentos, como já afirmei anteriormente, parece-me um pouco ridículo que alguém que obtenha proventos por cometimento de um crime tenha que os declarar em sede de IRS. Se eu receber proventos de alguém que me corrompeu será que de corrida vou declarar esse valor para impostos!? Se, de facto, for provado que eu recebi esses proventos, então sim, eles devem ser sujeitos a imposto.

O que nos diz Rui Tavares no jornal Público é que:

“Mas aí entra o segundo elemento explicativo no texto de Sócrates à Folha [olha de São Paulo, Brasil] a referência repetida de que tudo isto se destinava a impedir uma candidatura sua à presidência. Um mero detalhe, mas curioso no sentido em que José Sócrates sempre se defendeu neste caso dizendo que as somas avultadas que recebia constantemente de um empresário eram apenas empréstimos e que a forma inusitada como as recebia (em “dinheiro vivo”, através de portadores, etc.) diziam apenas respeito à esfera da sua vida privada a que tinha direito como cidadão privado que já tinha abandonado a política. Ora, afinal o que José Sócrates nos diz (agora) é que estava apenas em pausa na sua atividade política, e ele próprio deve saber que viver assim à conta de um empresário o colocaria numa inaceitável posição de dependência como putativo Presidente da República”.

Quem está a tirar dividendos com isto tudo parece que é o Chega e André Ventura que estão a surfar à custa dos que se indignam com a justiça.


Sem comentários:

Enviar um comentário

As lições de Ressabiado Silva

O nome próprio “Ressabiado” não existe, é ficcionado. Tal nome próprio nunca terá sido posto a ninguém, a não ser como alcunha. Já viram com...