Política

Um refrão sobre o povo da nossa terra

 

Este texto foi escrito em 2016, já lá vão exatamente cinco anos. Reli-o e continuo a considerá-lo atual pelo que resolvi publicá-lo novamente após uma curta revisão e inseri algumas atualizações até porque é tempo de eleições autárquicas em que o nosso povo é mais envolvido e motivado para ir às urnas para eleger o seu poder local. 

Mas antes de continuar devo alertar para generalizações que não se deverão fazer. A generalização sendo uma operação mental que consiste em comparar as qualidades comuns a uma classe de indivíduos, desprezando as suas diferenças e reunindo essas qualidades comuns numa só ideia, corre-se o risco de transformar premissas em extensões arbitrárias de valores e de avaliação podendo incorrer numa falácia. As generalizações podem, imprudentemente, levar a retirar uma conclusão geral da análise de uma situação particular ou de situações particulares que não são representativas de todos os casos possíveis.

Dizer, por exemplo, que os portugueses têm uma determinada característica estaria a incluir também portugueses que poderão não a ter. Exemplo: Pedro é político e boa pessoa. Por isso, todos os políticos são boas pessoas. Também quando se diz que os portugueses são invejosos não quer dizer que os portugueses X, Y e Z o sejam.

Quando me refiro à gente do meu país ou da minha terra eu e o leitor, poderemos, ou não, estar incluídos nos atributos referidos. Se for o caso, cada um que calce o que lhe sirva. Muitos escritores o fizeram sem apelo nem agravo atribuindo-lhes características que nem todos tinham.

Resta esclarecer, para que puristas de género não me venham acusar de “machista”, que as palavras que escrevi quando foram do género masculino referem-se também ao feminino, evitando os parênteses à frente para (o/os) e o (a/as). Neste contexto, os portugueses e a gente do meu país são todos independentemente do género. 

Posto isto, relembro o refrão “Ó gente da minha terra” de um fado interpretado por Mariza entre outros cantores. Contrariamente ao que consta por aí não foi ela que o escreveu. O mérito deve-se à excecional interpretação. Esta canção tem música de Tiago Machado e poema de Amália Rodrigues e o refrão versa assim:

Ó gente da minha terra

Agora é que eu percebi,

Esta tristeza que trago

Foi de vós que recebi.

 

Inicio este “post” com esta quadra porque recordei autores como Eça de Queiroz e Guerra Junqueiro e outros tantos escritores e políticos que nas suas obras, cada um à sua maneira, traçaram perfis dos portugueses.

O povo português é muito acolhedor, sociável e hospitaleiro e recebe bem tudo quanto é estrangeiro e nos visita. Mostra, a seu modo, a sua subserviência disfarçada de hospitalidade. Genericamente é um povo que ajuda o seu próximo quando necessário, é solidário quando se trata de defesa dos interesses da sua comunidade em que se integra. Falsamente pacífico, introvertido apesar de alegre, preocupa-se mais com a vida dos outros do que em expor a sua. Há várias citações sobre os portugueses, algumas delas antagónicas.

Vejamos algumas dentre as várias personalidades do mundo da literatura e da política. Começo pelo Padre António Vieira, filósofo, escritor e orador português do século VIII que, numa das suas cartas escreveu: “Dizem que temos valor, mas que nos falta dinheiro e união; e todos nos prognosticam os fados que naturalmente se seguem destas infelizes premissas.”. Tem-se confirmado isto, os políticos que o digam.

Em 1997 António Lobo Antunes escrevia: “Eu gosto desta terra. Nós somos feios, pequenos, estúpidos, mas eu gosto disto.” Enfim, uma forma de nos ver.

A gente do meu país tem uma incapacidade de autocrítica, tudo o que se faz de mal a culpa é sempre dos outros. Teve e tem a mania das grandezas. Fazer-se mais do que aquilo que é, é um dos seus atributos. Mostra aos outros aquilo que, na maior parte das vezes, não é.  A passividade e a falta de dinamismo são doenças sociais e crónicas que lhes foram inoculadas pela ditadura de Salazar que leva a nossa gente a ficar à espera que os problemas desapareçam. O "pai" Salazar e o clericalismo católico resolviam tudo menos a pobreza e a miséria, que a ambos interessava e estava patente nos seus discursos. "Não discutimos Deus e a virtude. Não discutimos a pátria e a sua história. Não discutimos a autoridade e o seu prestígio. Não discutimos a família e a sua moral. Não discutimos a glória do trabalho e o seu dever.". Pronunciava Salazar num discurso em 1936. "Ensinai aos vossos filhos o trabalho, ensinai às vossas filhas a modéstia, ensinai a todos a virtude da economia. E se não poderdes fazer deles santos, fazei ao menos deles cristãos."

A não ser na altura dos descobrimentos, salvo algumas exceções, a originalidade da gente do meu país é parca, imita o que vem de fora, às vezes nem sempre o melhor. Não valoriza aquilo que tem de bom. Busca no estrangeiro o que há de pior e que passa a chamar de novo conceito. Não procura o que o pode distinguir pela diferença.

Felizmente que já pós a revolução do 25 de Abril muitos portugueses e portuguesas distinguiram-se lá fora. Aliás, os portugueses que emigraram eram considerados muito bons trabalhadores. Mas, cá dentro o trabalho é bom para os outros. Talvez resquícios do colonialismo. O aumento de direitos, regalias e de salários estão na ordem do dia e, sempre que possível, a redução dos deveres.

Estão na moda há algum tempo os chamados novos conceitos, termo querido pelos que são escolhidos a dedo e que são chamados às televisões para perorarem sobre os seus negócios inovadores que, passados meses ou poucos anos, acabam por encerrar portas. Quase sempre estes inovadores não transportam a qualidade até quem se destina o produto ou serviço. Muito pelo contrário. Caso típico é o da restauração. Proliferam por aí restaurantezitos, os tais dos novos conceitos onde passaram a colocar toalhetes de papel ou de plástico “made in China” colocados sobre uma mesa de ripas de madeira, onde, por vezes, mal cabem o prato e os talheres que se dobram ao cortar o hambúrguer e onde as pessoas se sentam em pequenas cadeiras do mesmo tipo ripado ficando conforme os casos com parte do traseiro fora do assento. Mas o mais caricato é que alguns colocam no interior mesas altas com cadeiras que é preciso escalar para chegar à mesa para comer amostras de iguarias, a que chamam degustação, inventadas pelo chef.

Depois há a ementa. Sob a capa de gastronomia tradicional portuguesa mostram preços com poucas diferenças dos restaurantes clássicos decentes. Ementas enganadoras proliferam desde pataniscas de bacalhau com arroz de feijão que são farinha frita com o sabor do dito. Esparguete à bolonhesa com escassez de carne picada que se afoga no meio duma tomatada do tipo "Ketchup". Hambúrguer no prato com salada e batatas fritas identificadas pelo sabor como de proveniência das mais conceituadas indústrias de congelação alimentar, entre outras iguarias do género. Onde está o bom sabor tradicional da boa batata frita caseira que nas verdadeiras tascas se servia? Não está. É batata congelada frita ou pré-frita.

Os fãs dos novos "conceitos" gastronómicos destes insípidos locais a quem a critica faz publicidade. A esses locais “sem caráter” atribuem os seus inovadores proprietários nomes à antiga portuguesa que se iniciam por Tasca do…, ou da…, Taberna da…, ou do…, Mercado de…, ou da… Muitos deles pertencem a cadeias que proliferam pelas principais cidades do país. E lá vamos nós, a gente portuguesinha a correr para desfrutar do novo conceito do bem comer e bem servir. No entanto quem pensa diferente e emite outros juízos é de imediato apelidado de conservador de retrógrado que se recusa acompanhar o progresso, ou de um perfeito "cota" por não aderir aos tais novos "conceitos".

Mas não ficamos por aqui. Vamos agora à língua portuguesa. Recupero da minha memória Lauro António que tinha um programa de crítica de cinema na televisão. Para fazer a apresentação do excerto dum filme para divulgação apresentava a peça de lançamento que Herman José posteriormente parodiou numa das suas peças humorísticas dizendo a certa altura: “let´s look at a trailer”. Isto passou-se há umas dezenas de anos.

A riqueza da língua portuguesa é depauperada pelos “senhores da comunicação”, sobretudo da rádio, e por quem convidam, que usam e abusam de palavras inglesas para se exprimirem, produzindo com elas uma amálgama de frases das quais se perde o verdadeiro significado. O português não é uma língua falada por meia dúzia de pessoas, porra!

Se alguém quiser dar-se ao trabalho de analisar por exemplo de línguas como a francesa e a espanhola não encontrará palavras de origem anglo-saxónica no seu vocabulário mesmo em expressões científicas e técnicas. Para salvaguardar a sua língua procuram termos adequados para o mesmo conceito.

Sim, já sabemos que há uma linguagem científica que é internacional e que as comunicações em congressos e outros eventos, são feitos em inglês que é a língua oficial. A distinção é que, internamente, naqueles dois países procuram termos equivalente para o seu vocabulário.

Mas nós, a gente portuguesa, queremos parecer originais, dar nas vistas e temos a necessidade de internacionalização para se justificar a utilização da língua inglesa em Portugal. A internacionalização é lá para fora não é cá para dentro. Veja-se o caso de muitas universidades e outras instituições que, para se darem ares de internacionalização utilizam nas suas designações palavras inglesas: Nova School of Business and Economics; Católica Lisbon School of Business & Economics, entre outras.

Estamos a abdicar de um dos valores mais importante na nossa cultura, a língua. As televisões e os emissores de rádio dão uma ajuda para esta abdicação. A ânsia de ser “cool” é tal que usam e abusam de termos ingleses que muitos espetadores e ouvintes desses canais nem sabem o significado. São sumidades que falam para outras sumidades da modernidade bacoca.

Será que os linguistas portugueses não conseguirão encontrar termos adequados em português de palavras inglesas técnicas e específicas da linguagem científica? Estou em crer que sim. Mas, como somos portugueses gostamos de mostrar que estamos “in” e, de certo, modo mostrarmos a nossa subserviência, cedendo até na própria língua, perdendo aos poucos o pouco orgulho que ainda temos (exceção feita ao futebol). A nossa gente está a ser inconscientemente aculturada a vários níveis. A apropriação desses estrangeirismos está na moda, faz parte do parecer, e não do ser. Fica bem. Parece bem. É cool.

Vejamos apenas alguns termos que se encontram por aí na gíria da comunicação social: Stakeholder, Cool, Red Carpet, Roof, In, Out, Sunset, Skills, Frendly, Brunch, Players, Pack, Resort, Look, Fashion.

A partir destes termos amplamente utilizados podemos imaginar uma reportagem com uma locução como esta:

O sunset de hoje foi abrilhantado pela fashion e pelo look das personalidades na nossa vida social e artística que atravessaram a red carpet. O acontecimento cool foi posteriormente continuado com uma conferência sobre as possibilidades de negócio que tais eventos podem possibilitar e onde os players negociaram com outros stackeholders. Um dos intervenientes referiu as skills necessárias para o sucesso deste tipo de negócio.  O evento frendly foi organizado num conhecido Resort de luxo onde foi servido um brunch.

Cool, não acham?   

O fundador do PSD, Francisco Sá Carneiro disse em 1975 “Portugal precisa de apoio internacional generalizado e merece-o. Esse apoio, venha de onde vier, tem de respeitar a nossa independência e uma rigorosa não ingerência nos nossos assuntos.” O que vemos hoje é o contrário, sancionado pelo governo dos quatro anos de Passos Coelho. O desrespeito pela nossa independência também passa pela língua. Muita gente da nossa terra sustentou esta tese com o argumento de que quem empresta até nos pode matar se quiser, ainda que se cumpra o contrato. E há ainda quem aplauda teses como estas. Tudo o que é estrangeiro, mesmo que seja péssimo, é bom para a nossa gente. Tem que respeitar o estrangeiro mesmo que a faça padecer e humilhar. Até quando se discutiam as sanções a Portugal muita da nossa gente letrada sintonizava com europeus da união dizendo que regras são regras e devem ser cumpridas.

O vandalismo que infelizmente existe em toda a parte em Portugal tem mais requinte. Nisso também temos que imitar e sermos ainda melhores. Tens um carro novo? Eu risco-o de uma ponta a outra. Para que serve uma floresta? Apenas para dar sombra e se é do vizinho rival ainda melhor, incendeia-se. O ramo da tua árvore incomoda-me, faz sombra na minha horta, se não o cortas deito-te a árvore abaixo. Há relatos especialmente a norte de homicídios devido à utilização de águas de um riacho. Um puxava a água e não deixava o outro regar. Não há negociação. Mata-se e pronto. As reservas naturais são anti progresso, não deixam que se construa. Incendeia-se e mata-se o bicho.

Somos um país de gente insana que provoca incêndios premeditados nas nossas florestas, loucos, alcoólicos, drogados, desempregados, dizem-nos nas televisões e, como crédulos que somos acreditamos. Não há rede organizada, mas atos isolados o que confirma a insanidade das gentes. Somos autores de espetáculos gratuitos para as televisões que vibram com tanta notícia.

Danificar com rabiscos, a que chamam "grafitis", paredes de edifícios públicos e outros, faz parte do grupo da gente do vandalismo. Excluo aqui as pinturas que são uma expressão artística urbana desde que escolhido o local certo. Esses que as fazem são outra gente.

A chamada mania das grandezas é outra nota que define a nossa gente e a que os sucessivos governos vão dando expressão, quer em tempo de abundância, quer em tempo de restrições, o chamado tempo das "vacas magras". Se uns fazem nós também temos que fazer, pensa a gente das autarquias. Quando há dinheiro esbanja-se em coisas de utilidade discutível para a comunidade local, depois vive-se na penúria.

Um caso paradigmático da mania das grandezas é o Convento de Mafra, construção iniciada por D. João V com o ouro que navegava desde o Brasil. Homem fervorosamente católico, não está com meias medidas, e, para cumprimento duma promessa, caso obtivesse sucessão do seu casamento com a rainha D. Maria Ana de Áustria manda construir um convento gigantesco. Alto e importante desígnio nacional foi esse. E, a gente da nossa terra, vivendo na miséria, aplaudia com o apoio clerical. Maior convento não haveria no mundo, diziam.

O sentimento que se tem pela prosperidade e pelo desejo de possuir o que outros possuem faz parte e é característico da gente da minha terra. Tu tens? Eu invejo. Tu compras? Eu também. Tu viajas? Eu também. Se possível ainda melhor, mesmo que isso me custe os olhos da cara e me endivide.

A gente do interior, fechada sobre si e pouco comunicativa, quando algum afoito intrometido tenta conversa refugia-se no estado do tempo. É a conversa da treta sem sentido cujo diálogo é quase sempre o mesmo. Veja-se este exemplo:

- Bom-dia D. Zulmira! Então está a regar a suas couves?

- Pois é. Tem que ser.

- O tempo não tem estado nada bom. Tem sido uma desgraça para as alfaces.

- Tenha fé senhora. Deus há de ajudar.

- Olhe, nem queira saber! Tinha lá um feijão verde "sameado" estragou-se-me todo. Com isto assim não sei onde vamos parar.

- Tudo isto é uma calamidade e o governo não faz nada…. Basta escutar nos locais do interior a conversa entre vizinhos e conhecidos. 

A gente da agricultura, não o da courela, mas o outro, apresenta sempre a mesma escusa quando as televisões os abordam. No inverno é o frio e a chuva e no verão é o calor e a seca. Virgílio Ferreira tinha razão quando disse que "Frente a uma situação difícil, o português opta pela espera de um milagre ou pela descompressão de uma anedota. O grave disto é que o milagre não vem e a anedota descomprime de tudo. Ficamos assim à mercê do azar e nem restos de razão para mexer um dedo".

Face a algo imprevisto ou revés não é raro ver por esse país a mobilização de multidões, motivadas pela religião, em procissões de agradecimento aos mais diversos santinhos e santinhas de qualquer coisa ou lugar, e há mais do que muitos, pelo bem com que os agraciou ou pelo mal ter passado, não importa como aconteceu. Agradece-se pelo que aconteceu, ou pelo que parou de acontecer ou roga-se para que não volte a acontecer, e ainda para o que vier a acontecer. Depois regressa-se a casa. É o efeito da religiosidade da gente que vive obcecada com o divino que tudo resolve e a quem tudo é devido.

E aqui a gente da minha terra divide-se entre o norte e o sul do rio Tejo. A norte o conservadorismo bacoco gerado pela ignorância. É como se um certo tipo de gene tivesse marcado a gente por sessenta anos de mentalização de Salazar que deu os seus frutos e se tem propagado através das gerações. A sul a gente é mais afoita e sem medo e também conservadora, mas em sentido oposto porque aí a religião conta menos. São os "mouros" como lhe chamam os do Norte. Não se deixam conduzir por homilias com matizes de política disfarçada.

A gente da minha terra faz manifestações e revolta-se quando um pároco é substituído, mas permanece queda a tudo o resto, mesmo ao que possa prejudicar ou mudar a sua vida ou a da comunidade. Facilmente manipulada por outras gentes lá se vai manifestando, de vez em quando, contra algo que não está bem, sobretudo quando descontente com o partido que ganhou ou não gosta de um primeiro-ministro pelos mais disparatados motivos.

As gentes de Portugal não gostam de discutir o papel da religião dominante, deveria dizer antes clericalismo dominante aceitando acriticamente a sua moralidade hipócrita. Seguem a preceito o postulado de Salazar "Portugal nasceu à sombra da Igreja e a religião católica foi desde o começo o elemento formativo da alma da nação e o traço dominante do carácter do povo português".

Somos ainda uma gente de fé que peregrina e cumpre promessas por graças que lhe foram concedidas por santos milagreiros. Locais de peregrinação são casos paradigmáticos onde se vão cumprir promessas de graças julgadas concedidas e fazer pedidos para aquilo que os Homens não lhes podem dar.

Somos uma gente maioritariamente cristã e crédula a quem é prometido o céu e acredita nos pregadores dos ofícios religiosos quando lhe dizem que as desigualdades sociais não têm importância na nossa curta vida, são condições de provação que serão compensadas na vida eterna. Assim é alimentado o espírito das mentes ingénuas e boas das gentes deste Portugal.

Em fevereiro de 1878 Eça de Queiroz em Cartas a Joaquim Araújo escrevia que “(...) o povo em Portugal, nas províncias, não é católico - é padrista: que sabe ele da moral do cristianismo? da teologia? do ultramontanismo (partidário da autoridade absoluta do papa) ? Sabe do santo de barro que tem em casa, e do cura que está na igreja."

Em 2012 a revista Sábado publicou uma crónica "Nós, os Portugueses" onde caracterizava a gente portuguesa escrevendo a certa altura: "Como se pode caracterizar, ainda que de maneira genérica, o povo português? Somos atenciosos, cordiais, flexíveis, facilmente nos moldamos à cultura do interlocutor e dialogamos, sem reservas, sobre diversos temas de forma animada. Contudo, e ainda que possamos achar uma certa piada às graças sobre os atrasos sistemáticos, para encontros, ou sobre o não cumprimento de prazos, apreciamos que os nossos “brandos e bons costumes” sejam respeitados!".

A arrogância e superioridade da nossa gente, quando em contacto com povos de outras culturas africanas e orientais, é notório pelo tratamento “por tu” sem que haja qualquer justificação de proximidade. É uma espécie de mostra de superioridade face ao seu interlocutor de outra cultura ou de outra cor de pele. Mas, cuspir para o chão e deitar objetos no espaço por onde passa ou frequenta que atingem o auge em momentos de concentração popular são reveladores da sua "superioridade".

Há outra gente, que frequenta meios cujas revistas cor-de-rosa se encarregam de divulgar. A gente do meu país, especialmente a das grandes cidades, não passa sem a sua dose de cultura. Telenovelas, "Reality Shows” tais como “Big Brother”, "Quinta das celebridades", "Love on Top" e outras rasquices televisivas semelhantes, fazem parte das suas preferências culturais. A estas ainda se incluem a leitura de revistas cor-de-rosa que pode ser comprovado pelo número das tiragens semanais e onde proliferam fotografias de colunáveis a que se atribuem nomes de boa origem inglesa como "socialites", que passou a ser incorporado na língua portuguesa, tal e qual, jet set e outras piroseiras, misturadas com outras gentes que deixam devassar a sua vida privada.

Milhares das nossas gentes frequentam redes sociais, especialmente o Instagram, onde se expõem de corpo e alma, sobretudo de corpo, para recolherem muitos "likes” de seguidores(as) que os levarão ao êxtase da visibilidade e exposição.

O voyeurismo da vida dos outros vende, aliena, leva ao consumismo por imitação. Gente anónima, que quer mostrar que existe, mas sobretudo, atores de telenovela e outros como futebolistas, treinadores, apresentadores de TV, políticos, banqueiros, cozinheiros (a quem agora se passou a chamar "chefs"), empresários de renome, ilustres desconhecidos (as) catapultados (as) pelo atrelar a outros (as) já bem conhecidos (as), sem profissão e por aí adiante, são vasculhados e expõem-se, deixam revelar a sua vida, a sua intimidade familiar, fazem poses frente às câmaras para fotografias que sabem sairão nas próximas edições. Passam a ser referências, exemplos modistas para quem compra e lê essas revistas e vê programas televisivos do género.

Nada escapa ao vasculho. Uns põem-se a jeito, outros para se tornarem popularuchos porque, quem não aparece esquece como diz a nossa gente. Reis e rainhas, príncipes e princesas, condes e condessas todos são servidos de bandeja à gente ávida de escândalos e conhecimento do modo de vida de tais nobres figuras. A vida dessa outra gente é o que interessa. Casamentos, trajes, divórcios, nascimentos, batizados, aniversários, festas, discotecas são essenciais são o pão para a alma.

É o mundo que tem material para os cronistas da vida mundana cuja pobreza e vazio intelectual são evidentes para quem os vê e escuta com o distanciamento necessário em alguns programas televisivos. Essa gente comentadora é colocada à frente das câmaras para abordar temas sérios com uma frivolidade confrangedora. Não é por acaso que programas de qualidade duvidosa têm as audiências que têm. É o mundo da outra gente, que a nossa gente ajuda a viver. Os canais de televisão oferecem conteúdos que as gentes gostam de ver. Dá à gente o que ela quer. Cabe aqui a pergunta que é de saber quem surgiu primeiro, se o ovo ou a galinha, no sentido de saber se não terão sido criados certos “apetites” que depois são exigidos como ofertas. Dar a provar para gerar necessidade.

Fertiliza-lhes a imaginação, ajuda-os a sonhar com uma vida a que nunca terão acesso. Ficam-se pelo sonho. E sonhar é bom. Fazem-lhe esquecer e alienar-se do que é importante. Mas a realidade é inexorável, e volta sempre, mas não constatam que é nela, e por ela, que devem lutar

De norte a sul as gentes do meu país adoram futebol. Sofrem, vibram, participam de forma passiva uns, mais ativamente e furiosamente outros. Deslocam-se atrás do seu clube para onde quer que vá. São desportistas do passeio que transforma o espírito desportivo, que deveria ser pacífico, numa atividade grupal insana e de rivalidades permanentes. E, mais uma vez, as televisões ajudam com debates intermináveis onde os participantes gritam, ofendem-se mutuamente, insultam-se, mexem-se convulsivamente nas cadeiras, gesticulam. Sei lá? E isto tudo tem audiências. É o que importa afinal. Captar audiências à custa da confusão que desinforma, mais do que informa.

Os senhores da bola são gente que se dão ares de especialistas e que acha que o futebol também é uma ciência com estatuto e linguagem própria. Vê-se pelas declarações futebolísticas que são duma pobreza confrangedora. Usam uma linguagem composta por palavras que juntas nada dizem de objetivo. São os intelectuais da bola.

Vejamos alguns vídeos:  

Retira-se que:

Sim… foi um bom jogo… Para mim e para a equipa… chegou-se a um resultado positivo… Que era a vitória. Vamos festejar esta vitória e pensar no próximo jogo. É sempre importante conseguir as vitórias…

Pois claro digo eu!... O óbvio.

 

Dedicatórias, vitórias do grupo da união e do trabalho… O jogo já é história, temos que pensar é no próximo… Frase profunda do comentador.

… compreensão que temos que fazer do adversário… Alta psicologia.

 Parabéns a todos… Que mais se poderia dizer?

Não tenho nada a apontar aos meus jogadores. Fizemos tudo para superar os cinco jogadores… Por várias vezes superámos quatro, por várias vezes superámos três, nunca conseguimos ultrapassar os cinco, mas… foi profundamente ingrato… Filosofia da melhor.

 …jogo tradicionalmente difícil e tornou-se na realidade difícil… porque  (?) uma boa equipa, uma equipa que nas últimas quatro jornadas teve três vitórias, uma equipa que se bate muito bem… nunca desiste e via à procura do resultado… mas acabou por ganhar na minha perspetiva a melhor equipa… tivemos as melhores oportunidades, podíamos ter feito um pouco mais cedo… era um campo que tínhamos que vencer e que era uma jornada importante… Do mal, o menos, em futebol o que mais se poderá dizer?

Nada… É o resto é o vazio…

Mas o seguinte vídeo mostra de facto a elegância e a fluidez verbal da terminologia futebolística.

É disto que a gente do meu país, amante do futebol, gosta. Por isso o futebol merece um pouco mais de desenvolvimento. Tendo pretensões a mostra que há uma ciência futebolística, já que não o é pelo discurso pelo menos tenta-o pelos métodos. Assim, fazem estatísticas com dados ao segundo de golos marcados e por marcar, lances, remates à baliza por jogador, cartões amarelos e vermelhos dos jogos, lesões por jogador, resumos semanais, mensais e até anuais, comparações que não conduzem a resultado nenhum, nem contribuem para nada a não ser demonstrar o indemonstrável. E, na época seguinte, nada se avançou repete-se mais ou menos o que se disse na época anterior, até à exaustão da paciência da outra parte de nossa gente que não vai em cantigas de futebol enquanto tema de discussão.

Não há técnica, nem estatísticas nem o que quer que inventem para prever quem ganha ou perde jogos, se assim fosse todos os especialistas ganhavam o totobola. Os jogos ganham-se com as pernas dos jogadores e uma bola a saltar dum lado para o outro até que haja uma abertura para ela entrar no retângulo duma das balizas. Certezas nunca há. Os inquisidores futebolísticos, porque há uma inquisição futebolística, escusam de culpabilizar treinadores e jogadores lançando-os na próxima oportunidade à fogueira da opinião pública dos adeptos e clubistas. É o que muitas vezes se verifica quando um clube perde um jogo e, sobretudo, se for um campeonato.

É um fenómeno mundial, dizem sociólogos. Pois é, não é por acaso. Não veem que tudo isto é, em todo o mundo, um negócio de milhões para alguns. O futebol deixou de ser um desporto de competição para ser um mercado e um negócio que a nossa gente e outras gentes alegremente acarinham. Se a isto juntarmos ainda os furiosos gangues de adeptos que se autodenominam claques, apadrinhadas pelos clubes, que utilizam a violência gratuita uns contra os outros e contra outros cidadãos com intuitos desmoralizadores sobre as equipas adversárias temos um perfeito caldo de cultura.

Para além do futebol há o delírio dos concertos e dos festivais que começaram a proliferar por aí, especialmente durante os meses de verão, (agora suspensos devido à covid-19), e tão do agrado especialmente da nossa gente jovem mais urbana cujos ascendentes fugiram há muito do interior para as grandes cidades para mudar da vida.

É o delírio. Todos os lugares querem ter visibilidade e a melhor forma é um festival "rock". As televisões ajudarão à promoção. São autênticas migrações de jovens deslocando-se de norte a sul para verem os seus ídolos. As entradas são caras, sem contar com deslocações, estadia e alimentação, mas os euros aparecem sempre. Para as contas do país da nossa gente é que é o problema porque, o caché pago funciona como importações o que vai ajudar ao desequilíbrio da balança comercial. São milhões de euros. Mas que importa isso. Quem promove e organiza festivais sabe que é dinheiro em caixa e daí a proliferação deste tipo de negócio. É bom porque movimenta as economias locais, mas muito melhor é para quem os organiza. Até a “Festa do Avante” para atrair a gente jovem convida grupos "rock". Ainda bem!

Mais uma vez nos dizem que não é só cá. Lá fora, no estrangeiro, é o mesmo. Pois é, mas também nos dizem que somos um país pobre e que temos que pagar com juros os milhares de milhões que a troika nos emprestou por termos gasto acima das possibilidades. Afinal quem paga tudo isto?

Na política os jovens filhos da nossa gente ingressam pelas juventudes partidárias. Gente jovem a quem a educação para os valores não lhes foi transmitida nem incutida que quer obter o sucesso a qualquer preço. Valem-se da intriga, da mentira, denegrindo pessoas… pegam na política do vale tudo, do desdém pelo próximo que colocam ao serviço da política filiando-se num partido que os possa catapultar para lugares onde possam viver à custa do erário público.

Mesquinhez, inveja, egoísmo, mexeriquice, passividade, iliteracia, conservadorismo a vários níveis, desprezo pelos bens de terceiros, desprezo pelo nosso património cultural e florestal, dar importância ao parecer, mais do que ao ser, etc., etc..

Mas nada disto é recente, pois Guerra Junqueiro dizia em 1896 que somos "Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, - reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta (...)”.

A imbecilidade reproduz-se ao longo dos anos e neste século XXI mantém-se, emerge sempre que uma oportunidade surge. O facto novo que confirma a dose de estupidez que agora começou a percorrer a nossa gente urbana são as manifestações negacionistas. Grupelhos de gente do meu país, manipulada pelas redes sociais, que rejeita hoje as recomendações resultantes da investigação científica sobre vacinação e alterações climáticas agitam-se com teorias da conspiração e pós-verdades ficando-se pelo domínio da estupidez demonstrada em manifestações de ódio, rebeldes, agressivas e sem nexo. 

É a gente do meu país!


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