Logo após a notícia do chumbo do Orçamento de Estado para
2022 veio-me à memória o de livro de Gabriel Garcia Marquez, Crónicas de uma Morte
Anunciada do qual faço uma sinopse: um jovem vítima da denúncia falaciosa de
uma mulher repudiada na noite de núpcias, foi condenado à morte pelos irmãos da
sua hipotética amante, como forma de vingar publicamente a sua honra ultrajada sob
o olhar cúmplice ou impotente da população expectante de uma aldeia colombiana.
O enredo do livro, baseado numa história verídica nada tem a ver com política,
mas serviu-me como raciocínio
através do qual inferi de uma semelhança não comprovada um facto de semelhança comprovado,
a morte anunciada do orçamento.
O
destino do O.E. já seria conhecido de antemão por todos e apenas um milagre ou
passe de magia poderia salvá-lo embora muitos acreditassem anda que poderia
passar. O chumbo do Orçamento despertou
a indignação de uns, a satisfação de outros e a tentativa de distorção do facto
por outros. A indiferença, o desprezo e o egoísmo partidário e introvertido levaram
a que dois partidos, o BE e o PCP, acabassem regendo o processo que culminou simbolicamente
na morte da vítima que é o interesse do país e dos portugueses.
Antes
da votação final a morte anunciada do O.E. despertou nas pessoas, comentadores
e analistas políticos sentimentos diversos e conflituantes por entre visões
diferentes, especialmente nos atores durante a discussão do objeto do litígio.
Alguns
ouvintes e observadores da trágica anunciação colocaram-se em posição de
descrença, acreditando devotamente que os executores da sentença de morte não
levariam o seu plano adiante. Para outros, o ódio nutrido pela vítima, leia-se
orçamento, resultou numa posição de indiferença quanto ao resultado provável, a
sua morte. De qualquer modo o que se observou, em quase todas as reações, foi
que, a despeito da trágica notícia da morte ser por todos previamente
conhecida, ninguém agiu exceto a já conhecida vítima o protagonista no sentido
de evitar o resultado final.
Quem
provocou a crise não foi a direita, mas ajudou, foram as esquerdas radicais. A
direita foi honesta. Desde o início que O.E. se não fosse alterado não era o
que aprovariam, e, muito menos, após os ajustes dados como benesses aos dois
partidos à esquerda do PS. Por outro
lado, um entendimento à direita foi logo rejeitado por António Costa ao dizer em
agosto que “No dia em que a subsistência deste Governo depender de um acordo
com o PSD, nesse dia este Governo acabou”. Pois foi, acabou pelas mãos dos
antigos parceiros do PS.
A
ideia inicial de acabar com os muros que, ao longo dos anos, marginalizavam os
partidos à esquerda do PS foi democrática, idealistas, romântica. Depositavam-se muitas esperanças na
aproximação. Todavia, pareceu uma ingenuidade da parte de António Costa e de alguns
setores do PS meterem-se na cama com o “assassino”, nome de filme um cujo
título é “Dormindo com um Assassino”. Em 2015 alguém disse que aqueles dois
partidos não eram de fiar.
Com a
assombração da perda de votos nas eleições que os penalizaram posteriormente ao
acordo o PCP e o BE começaram a ver no PS o seu principal inimigo e
direcionaram a sua tática para o combater a qualquer preço.
A
estabilidade e a sobrevivência política que se viveu até ontem foi baseada num paradigma
que, em vez de olhar para o futuro, visava apenas o combate à herança de Passos
Coelho que agora ameaça regressar. O que prevaleceu no final foi o desprezo pelos
interesses do país em favor dos dogmas partidários das esquerdas radicais
Bloco e PCP que só
sobrevivem do protesto, das greves e do combate ao modelo social e económico
europeu, da aversão ao mercado e ao liberalismo europeu que um partido
social-democrata como o PS perfilha.
É o
regresso à praia preferida do PCP e do BE onde, só aí, sabem surfar e conseguem
sobreviver às ondas da democracia. Neste aspeto há semelhanças com a extrema-direita
que se congratula, a única que ganhar porque prospera por entre os pântanos
políticos.
Os políticos pressionados pelos seus partidos têm o centro
do olhar no seu umbigo, com um sectarismo cego obediente às estratégias partidárias.
Na política as estratégias são necessárias quando o objetivo é o de chegar ao poder
deixando os interesses da maioria do povo para segundo plano. A extrema-esquerda
não têm esta ambição porque estes partidos sabem que, isoladamente e através de
eleições, nunca chegarão ao poder. A sua política centra-se na instabilidade usando
tudo o que a democracia lhes permite como manifestações, greves, movimentos
sindicais. Se estas estratégias há tempos eram apenas das extremas-esquerda
hoje em dia as extremas-direita adotaram as mesmas e infiltrações em manifestações
para provocarem instabilidade.
A política como atividade ocupacional que nós todos pagamos deveria
ter a função de conseguir articular equilíbrios o que exige a capacidade de
julgamento, visão de conjunto, prudência, intuição, sentido de tempo e de
oportunidade, jeito e disposição para tomar decisões sobre assuntos sobre as
quais não existem certezas absolutas. A falta destas qualidades revelou-se nos políticos
de todos os partidos à esquerda do PS ao chumbarem o Orçamento de Estado com
exceção do PAN e das deputadas não inscritas.
A política não serve apenas para gerir objetivos governativos
ou de oposição tem mais que ver com ponderação sobre o significado social das
decisões, certas ou erradas, que se tomam assim como da sua oportunidade e do
modo como podem afetar as pessoas. É disto que o PCP e o BE têm falta, - e não
apenas estes - centrando-se, como já afirmei, no seu umbigo partidário dogmático
mesmo em situações cuja gravidade nos afetará a todos. A questão ideológica está
entranhada no inconsciente revolucionário daqueles partidos que vem do passado,
é uma espécie de arquétipo que se sobrepõe à racionalidade e ao bom senso.
A essência ideológica dos partidos da esquerda radical ainda
se mantém, contudo, personalizou-se, deu lugar simultaneamente à personalização
da decisão que é aceite por um “mercado” eleitoral amorfo e ideologicamente
desinteressado. O eleitor vota por vezes no sujeito A ou no sujeito B e não da
ideologia que move os partidos em que votou.
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